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terça-feira, 2 de junho de 2020

PIB do Brasil encolheria 20% em cinco anos


Este seria o panorama mais trágico se o Agro colapsasse. Mesmo antes da pandemia do coronavírus, carro-chefe da Economia nacional esconde dívida de R$ 700 bilhões


Dor, angústia, medo, revolta e fragilização dos laços familiares são apenas alguns dos sentimentos por trás da supersafra de 250 milhões de toneladas, anunciada aos quatro ventos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Os números das exportações caminham de vento em polpa, impulsionados especialmente pelas commodities milho, algodão e, especialmente, soja, cuja participação será superior a 50%.

Entretanto, o brilho dourado do grão ofusca uma triste realidade compartilhada por milhões de produtores rurais no Brasil, como é caso do produtor Adilson Érida Borges, que possui fazenda no estado do Mato Grosso.

De um lado, o produtor aguardava um recorde de produtividade que não se concretizou. Caminhava para 70 sacas/ha, mas fechou com 45 sacas/ha. Do outro, há oito anos, briga na justiça para não perder a propriedade para bancos, com os quais tenta renegociar uma dívida de R$ 4 milhões.

Esse é um problema sério em todo o Brasil e já vinha sendo ignorado pelo Ministério da Agricultura antes da pandemia do coronavírus.  Segundo um estudo realizado pela Egrégora Consultoria Empresarial, até janeiro de 2019, o setor devia valor equivalente a uma safra inteira. “Demonstrativo do Banco Central mostrava uma posição devedora consolidada do setor junto aos bancos nacionais de R$ 306,8 bilhões”, aponta, em números absolutos, o diretor da consultoria, Anisio Carossini ,ex-superintendente regional do Banco do Brasil e responsável pela análise.

Somam-se ao montante débitos de R$ 153 bilhões junto às 60 maiores tradings agrícolas, R$ 53 bilhões em aberto com cooperativas e outros R$ 100 bilhões devidos a bancos estrangeiros.


Situações críticas

Apesar de ver mais chuva neste ano, as setes quebras de safra consecutivas registradas no Nordeste, de 2012 a 2018, praticamente inviabilizaram a continuação de muitos produtores rurais na atividade.

O restante, cerca de um milhão, luta para manter posse da propriedade. “É uma dívida impagável, porém, nem se discute o assunto”, denuncia o produtor e deputado em Arapiraca (AL), Chico da Capial.

Ele faz duras críticas à Lei 13.340, criada em 2016, que, simplesmente, ignorou os sete anos de colapso hídrico, ao renegociar somente as dívidas contraídas até 2011. “Os produtores estão perdendo suas terras para os bancos”, reclama. Chico da Capial conta que um companheiro de porteira financiou R$ 18 mil para compra de 18 vacas leiteiras. A dívida já está em R$ 1,5 milhão.

Ainda sem a iminente alienação fiduciária generalizada de terras, o Rio Grande do Sul também entra em seu terceiro ano de estiagem. O estado amargará, até agosto, uma frustração de safra em torno de 50%, com microrregiões superando os 60%.

Não existe um número preciso de produtores gaúchos falidos, mas há anos o deputado federal Jerônimo Goergen pleiteava atenção no Mapa. A última investida foi tentar aprovar a Medida Provisória 936 para garantir R$ 5 bilhões em recursos e flexibilização de dívidas.

Mais ao meio do mapa, o Centro Oeste, onde estão os maiores produtores de grãos e gado do Brasil, também estão no vermelho.  Goiás é o maior exemplo, responde por 11% do montante total de dívidas: R$ 77 bilhões.

São R$ 42,8 bilhões junto aos bancos e R$ 35 bilhões junto a cooperativas e tradings.  Os números são fornecidos por Eurico Velasco, advogado e pecuarista, vice-presidente da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA).

Essa ferida, se não estancada, colocará a economia brasileira em colapso daqui cinco anos, pois o Agro representa 21,4% do PIB nacional (R$ 1,5 trilhão), de acordo com dados recentes do Centro de Estudos e Pesquisas Avançadas (CEPEA/USP). “Imagina o PIB do Brasil sem a contribuição de 21% do Agro”, questiona Jeferson da Rocha, advogado, diretor jurídico da Associação Nacional de Defesa dos Agricultores (Andaterra), ainda alertando que teremos êxodo de 30% a 40% dos produtores.

Serão de 1,5 a 2 milhões de famílias migrando do campo para cidades. Pecuária de corte, leite, café, arroz, cana-de-açúcar, citrus, coco e cacau são os setores mais afetados - alguns deles caóticos.


Perda da terra para estrangeiros

A questão do endividamento carrega um problema ainda maior. Conforme execuções avançam, a tendência é de as terras serem adjudicadas pelos credores ou leiloadas.

Com a sanção da Lei do Agro 13.986 (antiga MP do Agro), comemorada pelo Ministério da Agricultura como um “marco” na agricultura brasileira, os artigos 51 e 52 permitem que estrangeiros apropriarem-se dessas áreas.

Concessão como essa foi vista apenas em 1967, com repasse de áreas da Amazônia para o magnata norte-americano Daniel Keith Ludwig, no projeto Jari. Outro ponto questionável da Lei do Agro é a blindagem excessiva dos credores. As instituições financeiras poderão expropriar o produtor via cartório, ou seja, sem a necessidade de processo jurídico.

Um paralelo interessante à situação das cartas de crédito agrícola atuais seriam os financiamentos de automóveis cujo veículo triplica de valor ao fim do contrato e pode ser arrestado, em caso de atraso das parcelas.


Raízes do endividamento

A agropecuária é uma atividade de alto risco. É sujeita a seca, chuva, geada ou granizo. Agricultores podem perder a safra do dia para noite. Não há segurança.
“O seguro agrícola é caríssimo, está concentrado na mão de poucos. O subsídio do governo também é irrisório”, avalia o diretor jurídico da Andaterra.

De acordo com ele, quando há frustração de safra, muitas vezes demora-se de cinco a dez anos para cobrir o rombo. É por este motivo que a Lei de Crédito Rural (nº 4.829/65) busca proteger os produtores rurais.

“O produtor é tratado de forma especial porque produz alimento. Trata-se da segurança alimentar e soberania nacional”, defende Jeferson Rocha.

A título de informação, a agropecuária brasileira alimenta 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo.


Infração à Lei de Crédito Rural

Apesar da legislação vigente limitar taxa de mora a 2,5% ao ano e juros compensatórios de, no máximo, 12% ao ano, além do direito de a dívida por frustração de safra ser prorrogada nos encargos iniciais (MCR 2.6.9), não é o que se vê nos bancos. “Contratei financiamento com correção de 5,5% ao ano. Na primeira renegociação subiram a taxa para 19,5% e depois de quatro anos quiseram cobrar de 27% a 33%”, confirma o fazendeiro Antônio Abrão Zardin.

O produtor tem documentos comprobatórios, entre comunicados de frustração de safra e recusas do seguro Pro-agro. “Em 300 hectares de feijão acumulei uma dívida de R$ 900 mil. Na safra seguinte tive quebra por seca e no terceiro ano meu principal cliente quebrou. Não consegui pagar”, conta.

O produtor condena a arbitrariedade dos bancos, por concederem seguro apenas às operações de baixo risco - a soja e o milho das águas - e ainda assim a taxas de 8% a 10% de juros ao ano. Além de recusar as operações de alto risco, hipotecam a propriedade, prática proibida na Lei de Crédito Rural.

Na prática, as cédulas de crédito rural (CDRs) estão sendo convertidas em cédulas de crédito imobiliário (CCIs). “Quem não se endivida, desse jeito”, indaga o produtor hoje residente no Distrito Federal.

Como consequência, o agropecuarista é induzido a quitar um financiamento de juros baixos com constantes refinanciamentos de juros abusivos, operação apelidada de “mata-mata”.

“Na verdade, apenas posterga-se o inevitável, a quebra da propriedade, mas a conta deste ciclo sem fim de refinanciamentos está prestes a estourar. E quem vai pagar é o cidadão brasileiro”, adverte o diretor jurídico da Andaterra.

O “mata-mata” é um aspecto do problema. Outros são as questões mercadológicas como os cartéis industriais espremendo a margem de lucro tanto do agricultor quanto do pecuarista, a exemplo da JBS na carne bovina, grandes laticínios na pecuária leiteira e Cutrale nos citrus.

Para o fazendeiro, é difícil abandonar a produção, é o que sabe fazer e ainda existe o caráter social a qual a terra agrícola é submetida. Ficam as dívidas e os traumas. “Minha esposa e meus filhos não querem saber da fazenda. Toda vida acompanharam o sofrimento em todos os processos judiciais. Perdi meus sucessores”, desabafa Zardin.


Jabutis nas leis de crédito agrícola

Não bastasse, as instituições financeiras embutiram a famigerada alienação fiduciária nas operações de crédito agrícola, uma negociação muito comum em financiamentos de imóveis e automóveis. “Alienação fiduciária permite requerer apenas o bem financiado, mas, nas operações agrícolas, os bancos tomam as próprias fazendas como garantia, ferindo a legislação”, explica o agricultor Adilson Borges, que, inclusive, teve um pulverizador arrestado a mão armada por agentes do Banco CNH, em dezembro de 2019.

Segundo ele, ainda existe outro jabuti em relação à reestruturação de dívidas, que só existe para inglês ver.  “Em 2018, recorri a uma circular do BNDES para reestruturar dívida. Seguraram tanto que quando saiu a resolução do Banco Central minhas operações já estavam vencidas, ajuizadas e lançadas em prejuízo. Mesmo com protocolo comprovando que o pedido havia sido feito ainda sem prejuízo eu fui excluído”, lamenta Borges.


A saída é a securitização

O nó do endividamento agrícola só pode ser desatado com um plano de securitização, um direito subjetivo do produtor rural.  Em 1995 foi utilizada através de lei e, hoje, precisamos de uma nova forma jurídica que dê direito aos produtores de repactuar essa dívida por 25 anos ou mais, com juros de até 3% ao ano. “Juros baixos, prazos longos e rebate da dívida para eliminar todos os cargos ilegais acrescidos ao longo do tempo, além dos prejuízos gerados pelas manipulações de mercado nos últimos 20 anos, seriam, no mínimo, justos”, conclui Rocha.

A política agrícola atual privilegia alguns poucos conglomerados empresariais voltados à exportação de commodities enquanto pequenos e médios agropecuaristas são subjugados.

Os pequenos e médios também são excluídos das linhas de crédito emergenciais concedidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), as quais preveem renegociação, prazos alongados e taxas reduzidas.

Essa seria uma forma de levantar recursos sem colapsar o orçamento da União, outra solução seria destinar 50% da alíquota do SENAR a um fundo de securitização, após 30 de junho, quando vence o período estabelecido pela MP que reduz pela metade a contribuição obrigatória das empresas ao “Sistema S”.
Em 12 de maio, aconteceria uma audiência pública para discutir o assunto da securitização, mas, com a situação atual, não tem mais data prevista.


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