Quando penso que se abre alguma fresta para o
bom senso, eis que parte da grande mídia brasileira compra, por vinte centavos,
a fraude intelectual dos antifas, ou
seja, dos autorrotulados antifascistas.
Admito que o estudo da História no
ambiente acadêmico e, em particular, na preparação dos jovens jornalistas ande
ideologicamente comprometido. Percebo, também, que uma das cláusulas desse
pacto é a de explorar, em cada evento histórico, a narrativa mais conveniente
sob o ponto de vista político. Trata-se de um compromisso que exige imensos
esforços de dissimulação e manipulação.
Quer saber o tamanho disso? É mais ou menos o que custaria esconder sob
um tapete bordado uma centena de gulags soviéticos onde milhões de prisioneiros
foram jogados, viveram e morreram sob a acusação de serem... fascistas.
Já no final dos anos 1920, entre os
comunistas de vários países europeus, o adjetivo fascista era largamente
utilizado inclusive para designar facções internas do próprio movimento ou
forma de empacotar e mandar para o outro mundo toda dissidência. Foi assim em
relação aos russos Brancos, durante a consolidação do domínio soviético. O
Partido Comunista da Alemanha usava o conceito até para os sociais-democratas,
chamados de sociais-fascistas. Os nazistas alemães eram chamados fascistas até
a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop (1939) quando a formação do acordo
entre a Rússia comunista e a Alemanha nazista levou Stalin a difundir uma visão
positiva do regime de Hitler. Tudo mudou dois anos depois quando o monstro
alemão rasgou o pacto e invadiu a União Soviética. A partir daí, toda conduta
antagônica ao comunismo, ficou sob o qualificativo fascista.
Para a cartilha marxista-leninista o fascismo
era a fase final da "inevitável crise do capitalismo". Sob Stalin, a
exemplo de toda divergência a ele, Trotsky era fascista. Todos os países de
economias livres eram, igualmente, assim declarados e continuam sendo assim
definidos pelos comunistas que neles atuam e se expressam politicamente. Sem
exceção, foram ditos fascistas todos os movimentos liberais na segunda metade
do século passado - Primavera Húngara (1956), Primavera de Praga (1968), a revolta da Praça da Paz Celestial (1989), as
Revoluções de 1989 (Outono das Nações) e as dezenas de mobilizações liberais
entre 1989 e 1991.
Aliás, é muito pouco referido o fato de que o
famoso Muro de Berlim, construído pelo lado comunista da Alemanha para impedir
seus cidadãos de fugirem para a liberdade, era chamado pelos hipócritas que o
construíram de Muro de Proteção Antifascista (Antifaschistischer Schutzwall).
Punto e basta! Continuar demonstrando o óbvio seria soterrar este texto,
desnecessariamente, com evidências. O
epíteto fascista caracteriza muito mais objetivamente a pessoa que dele faz uso
do que a pessoa a quem é imputado. Nove décadas de história mostram
inequivocamente que quem o utiliza se autodefine como comunista. Desconhecer tal
fato não é cascata nem catarata. É cegueira, mesmo.
Portanto, como pode alguém levar a sério a
natureza democrática dos antifas? Como aceitar que certos eventos sejam
apresentados à nação como antifascistas, ou reconhecidos como Movimento pela
Democracia quando seus membros se dedicam a distribuir o adjetivo fascista
àqueles a quem se opõem?
Difícil encontrar hoje maior evidência de
desonestidade intelectual, mormente entre quem tem a missão de bem informar!
Por fim, como exercer a cidadania sem avaliar cuidadosamente os movimentos em
ambos os lados da cena política real?
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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