Em fins de 2016, num surto
de invasões de escolas, estudantes secundaristas passaram o cadeado em milhares
delas. Protestavam contra tudo e todos: Temer, o governador do Estado, o
diretor do colégio, o preço do chicabom. Ainda que as articulações fossem
levadas a débito das uniões estudantis secundaristas, seria ingenuidade supor
que, por trás, não agissem militantes dos partidos políticos fazedores de cabeças
nas salas de aula do país.
Uma
foto de jornal ficou-me na memória como representação dessa realidade. Ela foi
tirada no pátio de uma escola invadida (o número de invasores era sempre ínfimo
em relação ao total de estudantes, mas, como em tudo, a minoria impunha sua
vontade às lenientes autoridades). A imagem mostrava um grupo de adolescentes
atentos a um adulto que lhes falava. Poderia não ser um professor? Estaria ele
convencendo os alunos a desocuparem a escola? Aproveitava ele o tempo para
transmitir aos seus pupilos os encantos da matemática ou da análise sintática?
Três vezes não. Há uma voracidade dos
professores de esquerda em relação à captura e domínio da mente dos alunos.
No
meu tempo de estudante, a expansão do comunismo e a Guerra Fria mantinham o
mundo em sobressalto. O pouco que vazava para o mundo livre sobre os bastidores
da Cortina de Ferro era suficiente para que o Ocidente se enchesse de receios.
Minha geração viveu intensa e longamente essa realidade. Houve um momento, nos
anos 60 do século passado, período da disputa tecnológica espacial e de
multiplicação das armas nucleares, no qual muitos creram ser inevitável a
vitória do comunismo, a ele aderindo para estar com os vencedores. Uma parte da
esquerda brasileira foi formada nesse adesismo.
O regime vermelho era organizado, centralizado, totalitário, agia com
objetividade, não dava espaço para divergências nem perdia tempo com
discussões. Não contabilizava vítimas e tudo que servisse à causa era
eticamente bom. Brecht não tinha dúvida alguma.
No entanto,
nem mesmo o terror e o genocídio de uma centena de milhões deram consistência e
sustentaram um sistema intrinsecamente mau e incompetente. A partir dos anos
setenta, o gigante começou a expor a argila mole sob seus pés. E foi por essa
época que a esquerda ocidental, visando amainar com falsa ironia os temores que
durante tanto tempo havia causado, passou a usar uma expressão que, de tão
repetida, se tornou famosa: “Comunistas, não comem criancinhas”.
Por serem
comunistas, não. Mas a fome que produziram nos primeiros anos da década de 20
do século passado (fome de Povolzhye), com a estatização da produção de grãos,
levou ao comércio de cadáveres e não parou por aí. Os relatos são tão
tenebrosos que prefiro saltar essa parte. Ademais, como não enfrentavam
pessoas, mas classes e grupos sociais, na URSS, na China, na Coréia do Norte,
no Vietnã, lotadas as prisões e os sanatórios políticos, os governos comunistas
dizimaram populações inteiras, criancinhas aí incluídas.
A frase, porém, foi trabalhada para se
constituir num atestado de boa conduta: os comunistas não comem criancinhas.
Eles diziam e as pessoas riam. Mas o que faziam os comunistas com as
criancinhas? Bem, aí é importante saber que o processo de doutrinação começava
por elas, com a eliminação do ensino privado, com a supressão de todo o
pluralismo e com a uniformização pedagógica. Em suas escolas só se ensinava uma
doutrina, se reverenciava um só grupo de líderes e se insuflava o ódio e a
delação contra os inimigos externos e internos do regime (incluídos nestes os
próprios pais, se fosse o caso). Ao ministrar uma doutrina intrinsecamente
materialista e má, furtavam a alma e envenenavam as mentes.
Exceção feita à delação de familiares,
as coisas ainda são basicamente assim em Cuba. Na maior parte do Ocidente,
porém, as estratégias evoluíram muito com os ensinos de Luckás, Gramsci,
Foucault, Althusser, Adorno, Marcuse, Habermas e a correspondente ocultação dos
que deles divergem, como Voegelin, Scruton, Aron, Russel Kirk, Revel e tantos
outros. Ora são sutilezas paulofreirianas, ora é a manipulação do material
didático, ora são os esforços em aplicar a ideologia de gênero. Chega-se,
assim, à universidade dita pública, mas privatizada, levada de modo permanente
àquela condição das escolas secundaristas tomadas pelos estudantes e seus
apoiadores. É o magistério da revolta e da pretensa superioridade moral da
tolice acadêmica. A universidade pública brasileira foi canibalizada. E eu não
preciso dizer por quem.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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