Em
1963, consegui meu primeiro emprego. Tinha 18 anos recém feitos e fui
contratado para trabalhar como auxiliar de administração no Presídio Central de
Porto Alegre. Cursava o último ano do Científico (etapa final do ensino médio
da época), preparava vestibular, ganhava uma merreca, mas sabia que, com aquela
idade, deveria comprar meus próprios cigarros (levei 40 anos para me livrar
disso!). O presídio que me permitia fumar com o suor do meu rosto fora
inaugurado quatro anos antes e era o mesmo hoje apontado como o pior do país.
No ano seguinte, fui aprovado num concurso e efetivado como funcionário do
órgão que administrava os institutos penais do Estado. Novo em folha,
articulado com outros dois estabelecimentos da região metropolitana, o Central
cumpria perfeitamente bem suas funções.
Faço
esse relato para referir a degradação do sistema penitenciário brasileiro. A
exemplo de tantos outros aspectos da vida nacional - mal sabem disso os
leitores jovens - nosso sistema penitenciário já foi melhor. Aliás, o Brasil,
também já foi melhor. Imperfeito,
claro, mas em quase tudo superior a este onde nos trouxeram as filosofias que
adotamos e as políticas que escolhemos.
Entre
1959, ano-base deste relato, e 2015, a população do Rio Grande do Sul apenas
duplicou, o Produto Interno Bruto cresceu 10 vezes (se não me enganei nas contas que pude fazer
a partir das tabelas da FEE disponíveis na rede) e as alíquotas dos tributos
estaduais sofreram diversas majorações. Apesar disso, o poder público estadual
não tem, no horizonte, a menor perspectiva de recuperar capacidade de
investimento e retirar o sistema penitenciário da falência.
Impossível
recusar o que explode diante de nossos olhos. Sucessivas décadas de
imprudência, imperícia e negligência, levaram as unidades da Federação e a
própria União Federal à atual ruína. Ela foi gerada por governos perdulários e
suas prodigalidades; pela ávida busca das manchetes e benefícios políticos de
planos de impacto meramente publicitários; pela corrupção e pelo histórico patrimonialismo
que confunde e funde o público e o privado; pelos corporativismos espraiados
nos poderes de Estado, contaminando a atividade privada e transformando o que é
público num botim sob múltiplos e permanentes ataques.
A
miséria do sistema penitenciário tem outras causas adicionais. A sociedade
brasileira foi, deliberadamente, submetida a uma sistemática destruição de seus
valores. Ridicularizou-se o bem e se relativizou a verdade; o errado fala do
alto das torres e o certo sussurra nos porões; silenciaram-se as consciências e
se tornou proibido proibir; jogou-se sobre a alma da vítima o peso de todos os
males sociais e se aliviou a do criminoso, de quem não seria possível exigir
outra conduta. Nossos policiais não temem enfrentar os bandidos. É das críticas
da sociedade e das manchetes que têm receio. Por causa delas muitos morrem,
desnecessariamente, em combate.
Antes
da carnificina nos presídio de Manaus e Roraima, houve a chacina da lei e o
estupro da ordem. Lá atrás, bem antes de tudo, reprimiu-se a necessária
repressão ao mal. Lavrou-se, cuidadosamente, o terreno para a insanidade geral,
enxotando-se a propagação do bem, do verdadeiro sentido da liberdade e da
responsabilidade. Foram décadas de elogio à loucura! Agora, o diabo ri seu riso
sarcástico diante das cabeças decepadas. Ali estão as oferendas da estupidez,
dispostas frente ao seu altar. E a ironia o faz seguir gargalhando de uma nação
que se extraviou ao ponto de perder, para as facções criminosas, o controle de
seus presídios.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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