Legitimidade e efetividade são duas palavras-chave,
indissociáveis, para que o Direito Internacional cumpra seu papel nas relações
entre Estados e, sobretudo, para que gere efeitos positivos para as pessoas que
vivem nestes Estados. Tratados celebrados entre Estados, incluindo aqueles
celebrados dentre os Estados que compõe uma Organização Internacional, visam a
consolidação de parcerias em termos equânimes. Estes tratados são legítimos
perante a comunidade internacional e representam as aspirações comuns dos
parceiros. No entanto, a efetividade destes tratados, o impacto local deste
compromisso conjunto, somente se materializa quando cada uma das partes
implementa as garantias propostas no acordo.
Cada acordo representa um compromisso dentre os
atuais membros de uma parceria internacional como também representa uma
condição essencial para qualquer novo membro. Ao aderir ao Mercosul, cada novo
membro se compromete com a incorporação em seu ordenamento jurídico de normas
vigentes no bloco, conferindo solidez às garantias estabelecidas em comum
acordo. O descumprimento deste compromisso no tempo estipulado compromete a
legitimidade do acordo e, principalmente, a efetividade das garantias às
pessoas que vivem sob a proteção dos Estados em questão.
Dentre as condições-base para que um Estado integre
o Mercosul estão a incorporação solidaria pelos Estados em sua legislação de
acordos comuns sobre as mais diversas temáticas, desde normas sobre cooperação
técnica, passando por acordos sobre entrada e residência em seu território de
nacionais dos outros Estados-parte. Além do déficit de ação coordenada na
incorporação de acordos que abrangem as mais diversas searas, a cessação do
exercício dos direitos da Venezuela inerentes à condição de Estado-parte do
Mercosul tem estreita relação com a função fiduciária de proteção dos Direitos
Humanos desempenhada pelo Direito Internacional.
Longe estão os tempos em que a soberania estatal
era princípio inegociável. A partir de meados do século XX, sob a sombra das
atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e desde então, o Direito
Internacional promove a proteção dos Direitos Humanos de forma universal. A
comunidade internacional passa a encorajar a atuação solidária dos Estados pela
proteção dos Direitos Humanos e atua subsidiariamente em prol desta mesma
proteção. Dentre os acordos não incorporados pela Venezuela ao seu ordenamento
jurídico interno está o Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a
Proteção e Promoção dos Direitos Humanos do Mercosul. O Protocolo, ao enunciar
o compromisso dos Estados-parte do Mercosul entre si e perante suas comunidades
nacionais, considera fundamental assegurar a proteção, promoção e garantia dos
Direitos Humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas. Asseverando
ainda que o usufruto efetivo dos direitos fundamentais é condição indispensável
para o processo de integração entre os Estados.
A cessação de direitos inerentes a condição de
Estado-parte em uma Organização Internacional é uma sanção aplicada com o
objetivo de encorajar o Estado a reavaliar sua posição em todas as frentes. A
iniciativa reforça a compreensão de que hoje a harmonização de normas técnicas
não são as únicas condições para a fruição dos benefícios de pertencimento a um
bloco que há muito deixou de ter o mero objetivo de cooperação econômica. A
proteção dos Direitos Humanos, assim como o cumprimento das normas comuns sobre
circulação de pessoas, são condições indispensáveis para o efetivo processo de
integração.
Melissa Martins Casagrande
- doutora em Direitos Humanos e Pluralismo Jurídico pela McGill University e
professora de Direitos Humanos e Direito Internacional Público na Universidade
Positivo.
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