Overdose informacional combinada à fragmentação identitária resulta em crescente incapacidade de atribuição de sentido e de produção de conhecimento. Pode levar à passagem da neurose para a necrose (num jogo de palavras à Edgar Morin). Não por acaso, o antídoto para o excesso de informações é o reducionismo informacional: mensagens mais simples e ambivalentes, como praticado pela publicidade comercial há muito tempo, migrando depois para o marketing político – a disputa do poder como numa feira.
Em tempos de atenção instantânea das redes sociais, dos quinze segundos de fama só restam cinco. E é com esses que os políticos têm que se virar para apresentar aos seus eleitores-audiência plataformas políticas complexas. Isso explica porque as questões passaram a ser sempre traduzidas em termos dicotômicos, para não dizer mesmo maniqueístas: a favor ou contra. Cabe ao bom marqueteiro político identificar quais questões estão nos trending topics da conjuntura e colocar seu candidato no lado certo da força.
Uma hiperssíntese dessa tendência é o “meu nome é Enéas”. Nos cinco segundos de fama de que dispunha, o candidato colocava ao eleitor: eu estarei lá, você é a favor ou contra mim? No fenômeno Enéas transpareceu, também, outra face da política como feira: o feirante (político) importa mais do que os hortifrutis (programas de governo). As motivações e as imagens pessoais dos políticos acabam sendo o resíduo informacional que permanece na memória dos eleitores.
O marqueteiro tornou-se peça-chave na arena eleitoral, pois traz um know-how importante. Sabe traduzir termos técnicos difíceis (sobre as políticas públicas propostas) em discurso corrente. Conhece o valor da linguagem e o poder dos símbolos. É hábil para simplificar as mensagens em termos dicotômicos e mais que hábil em exacerbar a aura de santa liderança dos candidatos. Ele deve tornar amigável ao público aquilo que talvez não prendesse sua atenção normalmente: esta é sua glória.
O gap entre realidade e sonhos vendidos aparece aqui como o grande problema: o marqueteiro não tem obrigação de que suas peças ou campanhas sejam reflexo da realidade, afinal uma das principais habilidades no mundo publicitário é justamente criar uma realidade diferente, que justifique demanda sobre o que se quer vender. Se a realidade “colar”, se a necessidade for gerada, a publicidade foi eficiente. Se o produto for ruim, o problema é dele (não do marqueteiro), que não fez a sua parte. Mas e se, afinal, o produto for ruim? Frustração. E a cada frustração, aumenta o cinismo e instala-se a desesperança. Mas a feira – ah, a feira – a feira não pode parar.
No mundo da política, onde certo nível de confiança é pré-requisito fundamental para manutenção da democracia, a estratégia de publicidade que vende, mas não garante a coerência com o produto, pode não só destruir sonhos, como minar a capacidade de sonhar. Desconfiadas do hortifruti que saíram para comprar porque não confiam mais no feirante, as pessoas vão ficando confusas e irritadas: pode sobrar tomate podre na cara de todo mundo.
André Rehbein Sathler
- economista e doutor em Filosofia e Coordenador do Mestrado Profissional em
Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
Malena Rehbein
Sathler - jornalista, Doutora em Ciência Política e professora do Mestrado em
Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
Valdemir Pires - economista e Professor-doutor e Pesquisador do
Departamento de Administração Pública da Unesp.
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