Nunca se falou tanto sobre cuidar do corpo,
mas talvez nunca se tenha feito isso com tanta pressa. A cultura da boa forma
transformou o exercício em performance e a saúde em aparência. O resultado é
uma corrida por resultados rápidos, muitas vezes apoiada em soluções que
prometem o que o tempo e o treino constroem de forma mais segura.
O crescimento do apelo “fitness” nas
redes sociais reforçou essa lógica da imagem. O corpo passou a ser tratado como
um projeto visual, e não como um sistema vivo que precisa funcionar bem. Em vez
de buscar vitalidade, muitos passaram a buscar volume e definição, no caso do
fisiculturismo, ou distância e “pace”, entre os corredores - para citar duas
modalidades muito em voga atualmente. A estética e o tal do “lifestyle”
passaram a ocupar o lugar da saúde e do bem-estar.
A recente conquista do Mr. Olympia - uma
espécie de mundial de fisiculturismo - pelo atleta brasileiro Ramon Dino voltou
a lançar luz sobre um problema histórico observado em academias e - de maneira
crescente - entre a comunidade de corrida de rua Brasil afora.São várias as
entrevistas em que Dino fala abertamente sobre o uso de anabolizantes, sempre
alertando para os riscos dessas substâncias, especialmente entre atletas
amadores. Porém, não é só no fisiculturismo que o abuso das chamadas “bombas”
preocupa. É cada vez mais comum praticantes de outras atividades, entre elas a
corrida, apelarem para terapias hormonais no mínimo controversas.
É o caso da chamada reposição hormonal.
Embora um tratamento médico legítimo e reconhecido, prescrito para pacientes
com deficiência hormonal comprovada, uma busca simples no Google remete a uma
série de anúncios explícitos prometendo performance esportiva por meio desta
prática - algo vedado pelo Conselho Federal de Medicina. Já a Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) alerta que o uso
indiscriminado de esteroides anabolizantes se tornou um fator silencioso de
risco cardiovascular, especialmente entre jovens. Ao alterar o equilíbrio
hormonal, essas substâncias provocam resistência à insulina, acúmulo de gordura
visceral e outros efeitos ligados à síndrome metabólica, condição que aumenta
significativamente o risco de infarto e AVC.
Um estudo publicado na revista Sports
Medicine Open avaliou 92 praticantes de musculação e encontrou alta
prevalência de uso combinado de esteroides, insulina e hormônio do crescimento.
Entre os usuários, foram observadas quedas expressivas no colesterol HDL, aumento
das enzimas hepáticas ALT e AST e alterações no metabolismo de ácidos graxos,
sinais de sobrecarga metabólica. Segundo a Sbem, cerca de 6,4% dos homens
brasileiros já usaram anabolizantes, proporção ainda maior entre frequentadores
de academias.
O caminho certeiro passa pela combinação
equilibrada de estímulos. O treinamento de força mantém a massa muscular e
protege as articulações. As atividades aeróbicas, como corrida, ciclismo ou
natação, aprimoram a capacidade cardiorrespiratória. A alimentação ajustada e a
suplementação individualizada completam o processo. E há um pilar básico que
costuma ser esquecido: a hidratação. Antes de qualquer suplemento ou
estratégia, vem a água. Sem ela, nada funciona.
Mais do que desafiar o tempo ou moldar um
corpo ideal, o verdadeiro desafio é construir um corpo que sustente a vida
real. O desempenho muda, a aparência também, e isso é parte da biologia. Treinar
é um compromisso com o futuro, não uma disputa contra o tempo.
A conquista que importa não está em parecer
atleta, mas em permanecer saudável. Um corpo que se adapta, reage e resiste é a
prova mais sólida, e mais inteligente, de performance.
Diego Leite de Barros - educador físico, especialista em
Fisiologia do Exercício pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
coordenador de uma equipe multidisciplinar responsável pelo planejamento de
treinamento de mais de 500 atletas amadores.
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