Transtorno do luto
prolongado pode afetar até 10% das pessoas enlutadas e comprometer a saúde
mental e física
Com a aproximação do Dia de Finados (2 de
novembro), momento em que muitas pessoas se voltam à memória de entes queridos
que já se foram, é importante refletir sobre o caminho que vai da saudade à dor
persistente — e quando ela exige atenção profissional. O chamado transtorno do
luto prolongado é uma condição que atinge aproximadamente 10% das pessoas
enlutadas, que não conseguem lidar com a nova realidade sem aquele que partiu.
Segundo a psicóloga e psicanalista Camila
Grasseli, professora do Centro Universitário UniBH - integrante do maior e mais
inovador ecossistema de qualidade do Brasil, o Ecossistema Ânima – o luto
prolongado é aquele em que a pessoa praticamente morre junto com quem morreu. O
isolamento e a angústia nesses casos podem se estender, sem alívio, por meses e
até anos. “A pessoa deixa de tomar banho, de se alimentar, perde o emprego, se
trabalhava. É um sofrimento que merece muita atenção.”
Ainda de acordo com a especialista, não há um tempo ideal ou esperado para o luto. A fase vai depender da pessoa que o enlutado perdeu e da importância dela para os que ficaram. Perder um parente próximo, com o qual havia uma dependência afetiva ou social, terá impacto diferente de uma perda menos central — e isso injeta grande variabilidade no processo. “Às vezes você perdeu um pai, mas ele não era o arrimo da sua vida inteira. E isso faz toda diferença no tamanho desse luto”, explica.
Grasseli indica que lutos complicados são mais
comuns quando há perdas muito intensas, como de filhos ou por situações
traumáticas (acidente, suicídio) — em contraste com perdas esperadas de pessoas
idosas ou com doenças que se arrastam por anos, rupturas para as quais
costumamos nos preparar.
Como identificar o limiar
entre “dor natural” e necessidade de ajuda?
A professora do UniBH explica que aqueles em sofrimento por um luto prolongado
deixam de cuidar de si mesmos. Perda de apetite acentuada, grande perda de peso
ou negligência da higiene pessoal são alguns sinais que indicam alerta. “Antes
dirigida à vida externa, a energia vital do enlutado fica mais interna. É como
se ele fechasse sua janela para o mundo e concentrasse suas lembranças na
pessoa perdida, não vendo mais graça em nenhum outro aspecto da vida. Todos nós
passamos por esse processo. A diferença é que quem estende esse sentimento, não
consegue retomar a vida. Fica com a presença daquele que se foi “embutido” no
novo cotidiano.”
Quando buscar ajuda
Para a profissional, nem todo luto demanda intervenção, mas o apoio psicológico
é fundamental quando os familiares e amigos percebem que o enlutado está
“adoecendo”. “Se a rede de convivência observa que a pessoa não está mais se
levantando da cama, por exemplo, trocando de roupa, tomando banho, um alerta
precisa ser ativado”.
A docente destaca que quando essas alterações
físicas e comportamentais começam a comprometer o cotidiano ou somam risco de
depressão, isolamento e pensamento suicida, abordagens terapêuticas com
profissionais especializados são necessárias. “O que ajuda verdadeiramente é
oferecer à pessoa espaço para falar da perda, das memórias, de quem era aquele
ente querido, e principalmente do que aquele vínculo significava.
Contrariamente ao que muitos acham (evitar falar para “não trazer tristeza”), é
justamente o falar que permite a elaboração. O medicamento também vai calar
esse luto, e o luto precisa ser dito, senão outras consequências físicas e
doenças podem aparecer a partir daí.”
Por fim, a psicóloga afirma que só é possível
transformar a saudade em uma homenagem saudável, dependendo de quem a pessoa
perdeu e de que forma. Isso porque, às vezes, as perdas são decorrentes de
situações violentas e abruptas, o que demanda muito trabalho psíquico - às
vezes por anos - para ressignificar a ausência de quem se foi.
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