Especialistas do CEJAM apontam crescimento de casos e explicam como o transtorno limita autonomia e exige abordagem integrada entre psicologia e psiquiatria
Há
seis anos, quando o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no mundo, a
pandemia ainda parecia distante. Meses depois, o isolamento massivo alteraria a
rotina emocional da população. Estudos internacionais da OMS indicaram um aumento de cerca
de 25% nos casos de ansiedade e depressão no mundo no primeiro ano da pandemia.
No Brasil, especialistas observaram que esse impacto permaneceu mesmo após o
fim das restrições sanitárias, refletindo em um crescimento expressivo dos
diagnósticos de agorafobia.
A
agorafobia, transtorno caracterizado pelo medo intenso de estar em locais ou
situações em que a fuga pareça difícil, continua sendo uma das condições menos
faladas nos debates sobre saúde mental. Aline Reichert, neuropsicóloga do CAISM
– Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental do Hospital Estadual de Franco da Rocha,
unidade da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo e gerenciada pelo CEJAM –
Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”, lembra que muitos pacientes sequer identificam o problema. “A pessoa
acredita que está apenas se ‘preservando’, evitando desconfortos. Mas quando o
medo impede de ir ao trabalho, de usar transporte público ou até de realizar
atividades básicas, estamos diante de um transtorno sério”, afirma.
Reichert
observa que os sinais iniciais podem ser sutis, como recusar compromissos ou
sentir desconforto em locais movimentados. O ponto central, diz, é o prejuízo nas atividades cotidianas.
“Quando a intensidade é grande, dura vários dias e interfere na rotina, é importante buscar ajuda psicológica.” Ela aponta ainda
que padrões de evitação se consolidaram em parte da população após a pandemia.
“Durante aquele período, estar em casa representava segurança. Algumas pessoas
mantiveram essa associação e passaram a evitar situações sociais.”
O
psiquiatra e diretor do CAISM, Dr. Rodrigo Lancelote, explica que a agorafobia
está classificada dentro do grupo dos transtornos fóbico-ansiosos descritos no
CID, que envolvem ansiedade desencadeada por situações que não representam
perigo real.
Ele
destaca que, nesses quadros, é comum que o paciente apresente preocupações com
sintomas físicos ou interpretações catastróficas do que está sentindo, como
medo de morrer, enlouquecer ou perder o controle, acompanhadas de manifestações
como palpitações, sudorese, tremores, falta de ar e sensação de desmaio.
Dr. Lancelote acrescenta que o grupo dos transtornos
fóbico-ansiosos inclui condições distintas, mas frequentemente sobrepostas. “A
agorafobia envolve medo de deixar ambientes considerados seguros, como a
própria casa, e pode levar à evitação de espaços públicos ou deslocamentos. O
mais comum é que ela ocorra associada ao transtorno do pânico, que costuma
apresentar sintomas físicos intensos e episódios abruptos de ansiedade”.
O profissional lembra que no mesmo capítulo do CID estão as fobias
sociais, caracterizadas por medo de exposição e receio de julgamento, e as
fobias específicas, relacionadas a objetos ou situações particulares, como
animais, altura, escuridão, voar, espaços fechados ou sangue.
Segundo
o psiquiatra, alguns indivíduos podem apresentar combinações desses transtornos
ou episódios adicionais ao longo da vida. Nesses casos, o diagnóstico exige
avaliar a ordem de ocorrência, a evolução dos sintomas e o impacto funcional.
“A agorafobia pode surgir como transtorno principal, mas também pode aparecer
como manifestação dentro de outras condições, como depressão e ansiedade
generalizada. É a compreensão desse conjunto que orienta o tratamento mais
adequado”, afirma.
A
neuropsicóloga destaca que o diagnóstico precoce é decisivo. Pequenas mudanças
de comportamento, como evitar filas, adiar compromissos ou sentir desconforto
ao imaginar sair de casa, já podem ser alertas. “A intensidade, a duração e o
impacto desses sintomas são os
marcadores principais. Quanto antes tratarmos, mais rápido o cérebro reaprende
padrões seguros”, diz.
O
tratamento inclui psicoterapia, sobretudo a terapia cognitivo-comportamental,
além de técnicas de respiração, regulação emocional e, quando necessário,
acompanhamento psiquiátrico. Dr. Rodrigo
pontua que antidepressivos são eficazes para reduzir
crises e sintomas ansiosos, e que a integração entre psiquiatria e psicoterapia
é o caminho mais recomendado.
Ambos reforçam que o estigma ainda impede a busca por ajuda. “Muitos acreditam que deveriam ‘dar conta sozinhos’. Isso atrasa o diagnóstico e perpetua o sofrimento”, afirma Aline. Para o médico psiquiatra, falar mais sobre a doença é fundamental. “A agorafobia é um assunto que merece espaço porque fala de autonomia, de funcionalidade, de vida real. Trata-se de um transtorno tratável, mas que só melhora quando passa a ser reconhecido.”
CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”

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