A recente operação
das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da
Penha, no Rio de Janeiro, que deixou um saldo de 121 mortos (4 policiais e 117
traficantes do Comando Vermelho), mais letal intervenção das forças de
segurança da história, provocou intenso debate sobre violência na repressão e
possíveis violações de direitos humanos, desnudou novamente uma questão que vem
aflingindo a população brasileira: a realidade nua e crua da segurança pública
no país.
Nas pesquisas de
opinião pública realizadas nos últimos anos, essa questão aparece entre as três
mais preocupantes na visão dos brasileiros. Levantamento do Ipespe em parceria
com o Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) e
a BRZ Consulting Consultoria e Projetos, mostrou que metade da população se
sente insegura em seu bairro ou localidade. O problema já aparece como a
segunda preocupação nacional, atrás somente da saúde. Outra pesquisa, do
Genial/Quaest, de março de 2025, aponta que 70% dos brasileiros consideram a
violência e a segurança problemas de âmbito nacional. Além disso, matéria
veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo em 17/10/2025 mostrou que 60% da
população brasileira tem evitado sair às ruas com medo de roubo e, quem sabe, o
pior: tornar-se parte das estatísticas de homicídio brutal, à luz do dia, em
plenas avenidas das maiores cidades brasileiras.
Essa é talvez a
face mais nefasta dos governos das últimas duas ou três décadas, período em que
o Brasil vem sendo governado por presidentes que jamais reconheceram seus erros
e sequer cogitaram pedir desculpas ao povo pelas políticas equivocadas,
chanceladas pelos mesmos aliados de sempre. Ao lado de corrupção elevada,
impunidade tolerada e um sistema educacional falido, o Brasil de hoje amarga o
desonroso lugar no pódio de país com maior número de homicídios intencionais
(em numeros absolutos) e com estatísticas alarmantes de roubos, furtos,
feminicídios e estupros.
O Estado
brasileiro, que agora joga todas as suas fichas na PEC da Segurança, foi
incapaz de combater as facções criminosas – especialmente o Primeiro Comando da
Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), Facçao do Norte, as maiores entre algumas
outras dezenas de organizações – que expandiram exponencialmente sua presença e
atividades em todo o território nacional (e países vizinhos), impondo medo e
suas próprias leis, inclusive julgando quem deve viver ou morrer dentro e fora
dos presídios, com “negócios” muito além do tráfico de drogas, outrora sua
maior fonte de renda.
Essas organizações
criminosas e as milícias aumentaram seu poder de ação e já são vizinhos de 19%
a 20% da população brasileira, atingindo crescimento recorde de 5 pontos
percentuais nos últimos 12 meses. A mais recente Pesquisa do Índice Global de
Crime Organizado com dados de 193 paises coloca o Brasil na 14ª posicao em
prevalencia do Crime Organizado, uma piora em relação a edição de 2023
onde figuravamos na 22ª posicao, tudo isso conforme reportagens publicadas ha
meros dias atras (globo.com 10.11.2025). O avanco da presenca das organizacoes
criminosas é flagrante, preocupante e inquestionavel.
Convivendo com a
barbárie, a população se sente abandonada pelo governo federal. Há saída? Sim,
mas para a elaboração de estudos e execução de planos de ação de combate ao
narcoterrorismo será necessário afastar a questão ideológica ou partidária e
entregar o assunto aos especialistas, garantindo-lhes os recursos legais,
humanos e financeiros compatíveis com a complexidade e gravidade da situação.
Não cabem mais
negligências, omissões ou transferência de responsabilidades. A realidade exige
um concerto nacional envolvendo os governos das três esferas administrativas
(União, estados e municípios), todos os poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário) e a participação dos Ministérios Públicos federal e estaduais, além
das forças de segurança. Todos são responsáveis pela gravidade da situação e
têm a responsabilidade de atuar para mudar essa situação.
Para isso, é
preciso conhecer dados imprescindíveis ao sucesso de qualquer política de
enfrentamento ao quadro atual. Por exemplo, as fronteiras terrestres do Brasil
somam 16.885 km de extensão e 66% delas estão na Amazônia brasileira. Desse
total, temos 11.189 km de fronteiras com 7 países, muitos dos quais sabidamete
produtores de cocaína e outras drogas e sedes dos mais importantes cartéis
do tráfico internacional. A dificuldade, entretanto, não se resume às
fronteiras secas. Temos outros 24.253 km de fronteiras marítimas e fluviais. As
fronteiras marcadas por rios são as maiores do mundo e têm sua maior parte na
Amazônia brasileira.
Há que se
considerar, ainda, o enorme vazio demográfico da Amazônia, que ocupa 45,5% do
território nacional, mas abriga apenas 8,6% da população brasileira. Além
disso, 30% da população da região estão concentrados nas capitais de sete
estados, cuja área não ultrapassa 1% da área territorial daquela parte do país.
Soma-se a isso o vazio econômico, pois a região participa com pouco mais de 6%
do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
O
empobrecimento dos habitantes da região é gritante e não existe perspectiva de
melhora, em razão da baixa densidade populacional, que se reveste de baixo
número de votos e, portanto desperta quase nenhum interesse eleitoral. A renda
média percapita dos 7 estados da Amazônia é 29% menor do que a média nacional e
pior, quando se analisa a renda média da população interiorana, é a metade da
média nacional. Tudo isso cria um ambiente favorável à cooptação da população
(inclusive indígena) pelo narcotráfico e outras atividades ilegais.
Outro
problema é a falência do sistema carcerário. O Brasil possui hoje uma das três
maiores populações carcerárias do mundo, estimada em 850 mil pessoas, atrás
apenas dos Estados Unidos e China. Em 2000, a população carcerária brasileira
era quase metade da atual, ou seja, em apenas 25 anos dobramos o número de
encarcerados. O país prende muito, porém recupera muito pouco. As cadeias são
verdadeiros depósitos de pessoas condenadas ou à espera de julgamento, vivendo
em condições desumanas, sob a responsabilidade dos governadores dos estados. O
número de vagas no sistema prisional estadual é de 437 mil vagas, ou seja, o excesso
hoje supera 400 mil detentos, que se amontam em celas.
É estarrecedor
que os poderes ignorem o fato de o país ter de 340 a 350 mil pessoas
encarcerados há anos, sem nunca terem sido julgadas. Injustiça aliada à
indiferença vem destruindo pessoas, famílias e onerando o estado brasileiro.
Analisando-se pelo viés econômico, cada preso no sistema penitenciário
estadual, custa cerca de 2 salários-mínimos/mês. Em média, uma nova vaga em
presídio estadual requer investimento da ordem de R$ 150 mil. Assim, as 400 mil
vagas faltantes custariam R$ 60 bilhões, o equivalente a 0,48% do PIB Brasil,
ou 1,40% das receitas tributárias anuais. E 400 mil detentos em um dos novos
presídios custariam R$ 14,6 bilhões/ano, o correspondente a 0,3% das receitas
tributárias do país.
Cabe analisar
também os contingentes das forças de segurança. As polícias militar e civil
somam 500.779 integrantes em todas as unidades da Federação. As Forças Armadas
possuem efetivo de 358.814 homens e mulheres, sendo 212.217 do Exército, 80.577
da Marinha e 66.020 da Aeronáutica. A Polícia Federal soma 13.854 integrantes,
dos quais apenas 2.500 delegados, com a agravante de que parte expressiva deste
contingente atua junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal
Federal (STF). Temos, então, apenas cerca de 11.354 agentes e servidores
especializados para atuar em 16.885 km de fronteiras terrestres e 24.253 km
fronteiras fluviais e marítima. Apenas a título de ilustração, se cada delegado
da Polícia Federal atuasse apenas nesse setor, teria sob sua responsabilidade
nada menos do que 9,38 km de fronteira terrestre para vigiar.
É impossível para
a Polícia Federal cumprir o que determina o artigo 144 da Constituição Federal,
o qual preconiza que a segurança pública é dever do estado e que a PF é
responsável por “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e
de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”, além de
“exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e
“exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.
A falta de
recursos financeiros não pode ser aceita como desculpa porque o Brasil tem
elevada carga tributária que, aumentada nos últimos meses, vem gerando recorde
de arrecadação. Para efeito de comparação, a carga tributária em 2022
correspondia a 32,4% do PIB e essa participação deve fechar em 34,5% em 2025,
aumento de 2,1 pontos percentuais. Esse aumento corresponde a R$ 260
bilhões/ano.
O problema é que o
Brasil gasta com o funcionalismo 13,1% do PIB, ou seja, 3,3 pontos percentuais
a mais do que gastam os países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Excesso que corresponde a R$ 406 bilhões por
ano. Outro desperdício ocorre com a corrupção, que consome de 2,5% a 3,0% do
PIB, segundo estimativas, o que representa R$ 372 bilhões/ano. Somam-se, ainda,
as renúncias fiscais, hoje superando 6% do PIB (apesar do limite de 2% fixado
pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021), o correspondente a R$ 496
bilhões/ano. O corte de 50% nessas três despesas representaria economia de R$
607 bilhões por ano.
É necessário
cortar o supérfluo para investir nas áreas mais sensíveis, e a segurança
pública está nos primeiros lugares da lista dessas prioridades. Também não
colabora a banalização dos problemas atuais pelas autoridades, a ponto de se
falar que roubos de pequeno porte são toleráveis e que traficantes e usuários
de drogas têm responsabilidades semelhantes.
A proposta de
qualificar as facções como organizações como terroristas tampouco resolve.
Existem caminhos mais eficazes, como dobrar o contingente da Polícia Federal
(ao custo de R$ 11 a R$ 13 bilhões/ano), construir mais 400 mil vagas no
sistema prisional estadual (R$ 60 bilhões em recursos federais e R$ 14,5
milhões de custo anual de responsabilidade dos estados), além de estudar a
alteração legislativa para permitir às Forças Armadas atuação contra o
narcotráfico, contrabando de armas e ações terroristas (ao custo de R$ 10
bilhões para aquisição de equipamentos e R$ 5 bilhões para aumento do
contingente de atuacao nas fronteiras terrestres).
Seria necessário,
ainda, aperfeiçoar as ações do Estado para o estrangulamento financeiro das
facções, o que pode ser feito mediante a ampliação do atual escopo de atuação
do COAF
-Conselho de Controle de Atividades Financeiras,
aumento do seu contingente e subordinação para ter atuação técnica e
independente, de forma a aprimorar o combate à lavagem de bens e capitais
oriundos de práticas ilegais. Bem ao contrário do que vem sendo feito, pois o
governo federal, em 2024, reduziu o orçamento do Coaf em 30%, acentuando a
redução que já havia sido de 11% em relação ao orçamento de 2022. Tudo
acompanhado de mudanças legislativas para o endurecimento de penas.
O cidadão brasileiro, que sustenta o Estado, precisa voltar a se sentir seguro e não mais refém da criminalidade. É preciso que o governo ponha em prática ações urgentes, firmes e concretas, antes que a situação se torne irreversível. O artigo 114 da Constituição Federal aponta o caminho.
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