Um levantamento do Instituto Península – Sentimentos
e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus
no Brasil, conduzido em março de 2020 com profissionais de escolas
públicas e particulares – aponta que mais de 48 milhões de alunos da rede
básica brasileira tiveram as rotinas alteradas durante a pandemia; são mais de
2,2 milhões de docentes no país que estão enfrentando o inédito cotidiano das
aulas online no período de distanciamento social. Entre os entrevistados, oito
em cada 10 educadores não se sentem preparados para ensinar a distância; eles se
declaram ansiosos e despreparados para o contexto de trabalho atual. Diante
desse enorme desafio, um outro fator de estresse e insegurança – tanto para
docentes, quanto para os pais e responsáveis – é pensar em como será possível
aplicar provas e avaliar os estudantes nessa modalidade de educação.
Esse tema é bastante relevante, sobretudo porque
ainda não sabemos com certeza quanto tempo vai durar essa situação do
distanciamento das salas de aula. Trabalhando com avaliação há mais de 15 anos
e incorporando a defesa da potencialidade da tecnologia – quando aplicada com
intencionalidade pedagógica –, posso afirmar que o ensino remoto não é um
impeditivo para que o docente realize suas avaliações. Pelo contrário, a
necessidade imposta de se manter aulas online têm demandado dos educadores a
criação de novas formas de avaliação e pode ser uma oportunidade de
transformação das formas avaliativas em sala de aula. Não estou falando da
perspectiva convencional baseada em examinar o processo final de ensino-aprendizagem
por meio de uma prova, mas de uma prática avaliativa que ocorre durante o
processo, ou seja, em diferentes etapas e com propósitos distintos. Nesse
contexto, as evidências de aprendizagem coletadas durante as dinâmicas
educacionais permitem aos professores tornar visível o real aprendizado – são
dados coletados que direcionam as decisões pedagógicas e facilitam esse
processo de avaliação, mesmo a distância.
Dentro dessa lógica, para garantir que o processo
avaliativo ocorra de forma integral é importante que sejam avaliados três
elementos do processo de aprendizagem: participação (engajamento e
colaboração), desenvolvimento (acompanhamento da evolução da
aprendizagem: a avaliação formativa) e resultado. Esse conjunto resolve
uma equação que possibilita uma avaliação mais integral e construtiva.
Mas, como avaliar a participação do
estudante a distância? Essa tarefa se refere à possibilidade de o educador de
observar comportamentos e atitudes que os estudantes demonstram durante todo o
percurso da aprendizagem. Essa análise é realmente importante, pois transmite
ao aluno a noção do quão valorizado é o engajamento dele – revelado por uma
atitude aberta à mentalidade do crescimento (em substituição a uma mentalidade
mais fixa) e de aprendizado contínuo. Essa assimilação é essencial porque
substitui a concepção negativa de que avaliar é somente comprovar o domínio do
conteúdo ao final do processo.
Com esse olhar mais amplo e valorizando a jornada,
mostramos a coerência dos projetos pedagógicos que buscam desenvolver
habilidades como empatia e colaboração. Na análise, itens como a entrega de
atividades no prazo estipulado; presença e interações nos momentos síncronos;
interação nos encontros virtuais; e colaboração com membros da turma são
indicadores a serem utilizados pelos professores. Investir nessa forma de
pensar é ter um ciclo mais completo do impacto da educação. Um ponto importante
é que esse processo seja claramente apresentado ao aluno. Todo processo
avaliativo precisa ser transparente, inclusive para fortalecer a autonomia e as
escolhas dos alunos. Muitas escolas utilizam a rubrica como suporte para a
avaliação da participação, é realmente um bom instrumento.
Para medir o desenvolvimento da aprendizagem – o
segundo tópico –, o professor precisa estar atento às devolutivas claras dos
alunos que possam gerar as evidências do domínio de assuntos e do
desenvolvimento de habilidades, ou seja, foco no progresso do estudante. Essa
forma possibilita uma análise da evolução da aprendizagem em diferentes
momentos e por múltiplas estratégias do docente, direcionando cada ação. Mostra
para o estudante o quanto o processo é importante para o resultado final. Nessa
seara, uma maneira eficiente de avaliar é analisar o desempenho da turma nas
atividades; os resultados individuais de estudantes em atividades; além disso,
é importante conceber que as evidências estão no dia a dia em todas as
interações que realizamos com os estudantes, em uma discussão realizada em sala
de aula ou numa reflexão ao final de um capítulo. Um bom instrumento que
permite um registro contínuo do desenvolvimento é os portfólios.
A função aqui é gerar para o professor (mediador e
tutor do conhecimento) evidências da assimilação da evolução – o pensamento do
estudante fica visível para o professor. Quanto mais o docente registra essas
evidências, melhor será a sua tomada de decisão e sua ação pedagógica. Assim,
quando a escola consegue se apropriar e ter o domínio dessas informações, o
processo de ensino-aprendizagem se torna mais eficiente. Além disso, prover
essa mesma visibilidade para as famílias dará segurança de que o processo de
aprendizagem está preservado, mesmo diante de um momento tão desafiador como o
que estamos vivendo.
Em resultado temos a avaliação de qual
ponto o estudante conseguiu chegar ao final de um processo – pode ser
bimestral, trimestral ou do ano letivo. Ele gera informações sobre a
efetividade de um processo pedagógico. Geralmente, as escolas usam as provas
para mensurar esse resultado; hoje, podemos usar relatórios de pesquisas como
entregas e análises de portfólio que tragam evidências da assimilação por parte
do aluno do conteúdo passado. As tradicionais provas ainda são alternativas
possíveis, apesar das dificuldades de aplicação e da fidedignidade das
respostas. Para contornar esse segundo ponto, é interessante pensar em questões
abertas e que avaliam níveis cognitivos mais avançados. É importante ressaltar
que resultado é o conjunto do que foi desenvolvido ao longo de um tempo
determinado.
A avaliação desses três elementos – participação,
desenvolvimento durante o processo e resultado final de aprendizado – engloba,
de modo geral, os principais aspectos que precisam ser considerados em um
processo educativo que valoriza não apenas a conclusão, mas o envolvimento e o
esforço ao longo da jornada. A partir desses elementos, a escola pode comprovar
a execução do trabalho pedagógico realizado e fazer uma deliberação sobre
aprovação ou reprovação, requisito legal necessário. Ressalto que os educadores
devem observar as normas estabelecidas pelos conselhos estaduais de educação,
que estão deliberando sobre a temática de provas a distância. Em São Paulo, por
exemplo, a secretaria autorizou a realização de avaliações, mas há várias
localidades que aguardam o retorno das aulas presenciais para aplicar provas.
Uma pergunta recorrente que tenho ouvido de
professores é sobre como avaliar de uma forma mais integral – não apenas o
cognitivo. É notório que o cognitivo só vai funcionar se o socioemocional do
aluno estiver atendido de alguma forma.
Nesse período a distância, a escola
deve estar mais presente, mais ativa para garantir a manutenção dessa saúde
emocional do estudante. E como podemos avaliar e propiciar essa estabilidade?
Nas rotinas de pensamento – voltadas também para trabalhar o bem-estar social e
emocional – reside uma boa resposta à essa questão. Uma delas, “Cor, símbolo e
imagens” incentiva os alunos a associar alguma situação específica com
sentimentos. Ao tornar essa emoção visível, o docente pode avaliar e atuar para
além do cognitivo. Vale pensar que o momento síncrono não precisa ter turmas
iguais ao ensino presencial. Com ajustes na grade que auxiliem o professor a
agrupar alunos de outras formas, esse educador terá mais tempo e mobilidade
para estreitar a proximidade com os estudantes; poderá, ainda, identificar
melhor os aspectos socioemocionais de jovens e crianças. Quando liberamos o
espaço na grade, a equipe de orientação pedagógica pode ser ainda mais
proativa. Eles podem ajudar o estudante a enfrentar esse novo contexto.
Por último, quero colocar que mesmo diante de todo
o desafio que a avaliação a distância envolve, vejo que essa é uma oportunidade
de diversificar os métodos avaliativos. Muitas vezes, quando pensamos em
avaliação, associamos imediatamente ao conceito de prova; ouso dizer que essa é
uma classificação muito restrita. Diminuímos a dimensão da importância de
avaliar o aluno, quando restringimos esse processo à uma mera prova. Defendo – antes,
durante e pós-pandemia – que não devemos ceder à tentação de procurar a melhor
prova online; devemos nos desafiar a ampliar nossos processos avaliativos, a
mudar o nosso mindset para irmos em direção de um método que de fato
corrobora com o processo pedagógico; seja ele presencial ou a distância.
Camila Akemi Karino - diretora pedagógica da Geekie. Psicóloga, mestre e
doutora pela Universidade de Brasília (UnB), estagiou na Universidade de New
Brunswick (Canadá), onde estudou “Igualdade, equidade e eficácia do sistema
educacional brasileiro”. Entre 2010 e 2014 foi coordenadora-geral de
Instrumentos e Medidas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sendo responsável pelas principais
avaliações da educação básica, tal como o Enem. Atualmente, é
pesquisadora-colaboradora do programa de pós-graduação do Centro de Estudos
Avançados Multidisciplinares da UnB.
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