A
discussão sobre a venda de medicamentos em supermercados volta à pauta nacional
com a tramitação do Projeto de Lei nº 2.158/2023, que propõe permitir a
comercialização de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs) fora das
farmácias e drogarias.
Embora
o debate não seja novo, ele continua desafiador e sensível. Trata-se de um tema
que exige equilíbrio entre ampliar o acesso da população e garantir a segurança
do paciente, pilares inseparáveis quando se fala em saúde pública.
Desde
a Lei nº 5.001/1973, o Brasil restringe a venda de medicamentos, inclusive os
de venda livre, a farmácias e drogarias, sob a responsabilidade técnica de
farmacêuticos. Essa norma foi construída sobre um princípio essencial: o
medicamento não é um produto de consumo comum, mas um insumo de natureza
sanitária, que requer controle, orientação e uso responsável.
Nos
anos 1990, houve uma tentativa de liberar a venda de MIPs em supermercados, mas
o dispositivo acabou suprimido na conversão da medida provisória em lei. Desde
então, a jurisprudência brasileira consolidou o entendimento de que apenas
estabelecimentos farmacêuticos podem comercializar medicamentos, posição
reiterada inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.
O
novo projeto de lei, de autoria do senador Efraim Filho (União Brasil–PB), foi
recentemente aprovado em caráter substitutivo pela Comissão de Assuntos Sociais
(CAS) do Senado, reacendendo o debate e aproximando o tema da votação em
plenário.
Entre
as salvaguardas previstas estão: a obrigatoriedade de farmácias completas
dentro dos supermercados, com área isolada, presença de farmacêutico durante
todo o funcionamento e proibição de exposição dos medicamentos em gôndolas de
livre acesso. A proposta também prevê regulamentação da comercialização online
pela Anvisa, restringindo a entrega domiciliar.
Os
defensores do projeto apontam benefícios como maior capilaridade de acesso,
especialmente em regiões com escassez de farmácias, além de possível impacto
positivo nos preços e geração de empregos. Entretanto, entidades de saúde
pública e representantes do varejo farmacêutico alertam para os riscos da
automedicação e para o uso indevido de fármacos, mesmo os isentos de prescrição.
Segundo
a Anvisa, analgésicos e anti-inflamatórios estão entre as principais causas de
intoxicação notificadas no país, o que evidencia que “isento de prescrição” não
é sinônimo de “isento de risco”.
Do
ponto de vista jurídico e regulatório, o desafio é garantir que a lógica
comercial da conveniência não ultrapasse os limites da segurança sanitária. O
avanço do projeto demandará regulamentação rigorosa e fiscalização efetiva para
evitar retrocessos no controle de medicamentos no Brasil.
Mais do que uma discussão sobre política de consumo, trata-se de um debate sobre o próprio modelo de proteção à saúde adotado pelo país, um modelo que pode evoluir, mas que não deve abrir mão da responsabilidade sanitária e da confiança que sustentam a relação entre sociedade, Estado e indústria farmacêutica.
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