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Ingrediente é responsável pelo aroma e sabor da cerveja foto: Levi Pompermayer Machado/Unesp |
Apesar de
ser o terceiro maior produtor e consumidor de cerveja do mundo, o Brasil ainda
depende quase que completamente da importação de lúpulo. Isso porque menos de
1% do ingrediente responsável pelo amargor, aroma e sabor da cerveja é
cultivado localmente. No entanto, um novo projeto com cientistas e produtores
do Vale do Ribeira (SP) busca mudar esse cenário e tornar a produção nacional
de lúpulo mais eficiente e viável, além de impulsionar o desenvolvimento de
novos bioprodutos.
O projeto, que nasceu dentro
do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima)
– um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela
FAPESP, com sede na Universidade Estadual Paulista (Unesp) –, está apostando na
extração supercrítica com dióxido de carbono (CO₂), uma tecnologia já consolidada em
países como Alemanha e Estados Unidos. O método permite extrair compostos
aromáticos e bioativos do lúpulo com alta eficiência, reduzindo custos
logísticos e aumentando a qualidade da cerveja.
“Normalmente o lúpulo brasileiro
é vendido em pellets [flores desidratadas e prensadas] para
cervejarias. No entanto, com essa tecnologia, o lúpulo pode ser comercializado
no formato de óleo, o que, além de ganhos logísticos, confere resultados na
produção da cerveja muito superiores aos métodos convencionais”, explica Levi Pompermayer Machado, professor da Unesp e um dos pesquisadores envolvidos no projeto.
Além do CBioClima, integram o
projeto o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para
Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), a incubadora Aquário de Ideias, com startups do Vale do Ribeira, além da Bioativos Naturais e
a Kalamazoo – duas empresas apoiadas pelo
programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da
FAPESP. Os produtores integram o programa SP Produz 2025, do Governo do Estado
de São Paulo, que oferece apoio estratégico ao fortalecimento de cadeias
produtivas locais.
No estudo, publicado na revista Biomass
Conversion and Biorefinery, os pesquisadores compararam a extração do
lúpulo da empresa Atlântica Hops, localizada em Juquiá (SP), pelo método
convencional e pelo método supercrítico por CO2. Enquanto a extração
tradicional – feita com solventes orgânicos ou por uma técnica conhecida como
arraste a vapor – rende cerca de 15% de extrato com 9% de α-ácidos (compostos
responsáveis pelo amargor da cerveja), a técnica com CO2 alcança
até 72% de α-ácidos. Além disso, o processo resulta em menor volume, melhor
conservação e aumento de até 20% na produtividade da cerveja.
“Cada lúpulo tem uma
peculiaridade de sabor, que é definido pelo que chamamos de terroir,
e é isso que a indústria procura. No estudo, também realizamos análises sobre o
perfil sensorial do extrato do lúpulo em pellets e do extrato
que a gente produziu. Houve uma pequena alteração de sabor, mas se manteve mais
ou menos a mesma assinatura sensorial do produto. Portanto, com toda essa melhora
de eficiência e qualidade, as características do terroir são
quase que inteiramente mantidas", conta.
Machado ressalta que a
tecnologia testada no Vale do Ribeira também se destaca por seguir os princípios
da química verde. Isso porque, nos métodos tradicionais, utiliza-se grande
quantidade de água ou solventes derivados do petróleo para separar os óleos
essenciais do lúpulo.
Já a extração supercrítica
utiliza o dióxido de carbono em condições de alta pressão e temperatura, em que
ele assume um estado entre o líquido e o gasoso (estado supercrítico). É dessa
forma que o CO2 atua como solvente natural, penetrando
profundamente na matéria-prima e extraindo seus compostos com alta eficiência.
“Fora isso, o CO2 utilizado
na tecnologia supercrítica é recapturado ao final do processo, evitando
emissões atmosféricas e eliminando resíduos químicos no extrato. Isso torna o
método não apenas mais eficiente, mas também ambientalmente responsável",
afirma Machado.
Segundo o pesquisador, o
objetivo principal do projeto é oferecer aos produtores opções de cultivo com
menor impacto ambiental e maior valor agregado (como é o caso do lúpulo) no
lugar de expandir fronteiras agrícolas com commodities de
baixo retorno, como soja e cana.
“Estamos falando em produzir
mais em uma área cultivada muito menor, com uma cultura que responde bem às
mudanças climáticas e oferece múltiplas possibilidades de mercado”, destaca o
pesquisador.
Economia
circular
Outro diferencial é que os
extratos obtidos com a tecnologia não se limitam à indústria cervejeira,
podendo também atender o setor de cosméticos e de farmacêuticas. Além dos
extratos, os pesquisadores também analisaram os resíduos que sobraram após a
extração (spent hop).
De acordo com Johana Marcela
Concha Obando, bolsista de pós-doutorado no INCT NanoAgro da Unesp e envolvida
no projeto, o rejeito do lúpulo ainda carrega compostos bioativos com alto
potencial antioxidante, como fenólicos e flavonoides. “Como a técnica não
utiliza reagentes, esses resíduos não se perdem no processo, podendo ser
utilizados para outros propósitos”, explica.
No trabalho, a análise
bioquímica revelou que, mesmo após a retirada dos principais ativos, a biomassa
residual mantém propriedades que podem ser aproveitadas em novos produtos. “Com
o extrato, deixamos de atender apenas o nicho cervejeiro e passamos a alcançar
cinco, seis, até dez setores diferentes”, comemora Machado.
O artigo Chemical and
biotechnological characterization of supercritical CO2 extracts
and residual Humulus lupulus biomass from the Brazilian Atlantic Forest pode
ser lido em: link.springer.com/article/10.1007/s13399-025-06903-z.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tecnologia-impulsiona-producao-de-lupulo-no-brasil/56314

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