No
debate público brasileiro, estamos acostumados a ouvir que nossa contabilidade
não fecha. Nela, direitos são tratados como "custos" e políticas de
inclusão como "gastos". Mas essa planilha está invertida. Caro, de
verdade, é o preço que pagamos, como Nação, pela exclusão e pelo capacitismo.
O
capacitismo - a discriminação estrutural contra pessoas com deficiência — não é
apenas uma violação de direitos humanos; é uma masmorra que prende o nosso
desenvolvimento. A pergunta correta, portanto, não é "quanto custa
incluir?", mas sim "quanto o Brasil perde, todos os dias, por
insistir em excluir?".
A
resposta é chocante e está documentada.
Organismos
como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam que a exclusão de
pessoas com deficiência do mercado de trabalho pode custar aos países até 7% de
seu Produto Interno Bruto (PIB). Para o Brasil, isso representa uma perda anual
de centenas de bilhões de reais. Não estamos falando de uma abstração, mas de
uma riqueza concreta que deixamos de produzir.
Dados
do IBGE mostram que apenas 34,3% das pessoas com deficiência em idade de
trabalhar têm um emprego formal. Onde está o restante desse potencial humano?
Subutilizado, desperdiçado por um mercado que ainda opera na lógica da inclusão
performática, e não da transformação real.
A Lei
de Cotas (8.213/91) foi um avanço inegável, mas a realidade para além da
contratação revela as camadas mais profundas do capacitismo estrutural:
ambientes de trabalho inacessíveis, falta de planos de carreira, preconceito velado
e a infantilização de profissionais plenamente capazes. O resultado é um ciclo
de baixa permanência e frustração, onde a pessoa com deficiência é vista como
um número a ser cumprido, e não como o talento que é.
Este
prejuízo se espalha por toda a sociedade. A educação, que deveria ser a porta
de entrada para a cidadania, ainda segrega. A saúde, que deveria garantir
qualidade de vida, muitas vezes impõe barreiras. Nossas cidades, com seu
planejamento hostil, transformam o ato de ir e vir em uma maratona diária de
obstáculos.
Cada
uma dessas barreiras tem um custo: para a saúde pública, que arca com as
consequências da falta de prevenção e autonomia; para a previdência,
sobrecarregada por uma dependência que poderia ser autonomia; e para a
economia, que perde consumidores, inovadores e contribuintes.
Os
Movimentos Sociais, que são os verdadeiros especialistas em suas próprias
vidas, testemunham a face humana dessa perda. Não são estatísticas; são
histórias de engenheiros, artistas, cientistas e empreendedores cujo potencial
é sistematicamente barrado. A luta das Pessoas com Deficiência não é por
caridade ou favor, mas pelo direito fundamental de participar e contribuir.
É por
isso que precisamos mudar a lente. A efetivação de direitos para pessoas com
deficiência não é um "gasto social", mas um investimento estratégico
com altíssimo retorno. Cada real investido em acessibilidade, tecnologia
assistiva e educação inclusiva se multiplica em produtividade, inovação e
fortalecimento do mercado interno.
Uma
sociedade inclusiva é, por definição, uma sociedade mais próspera e resiliente.
A
verdadeira responsabilidade fiscal e social é desmantelar as estruturas do
capacitismo. Significa criar políticas públicas com a participação ativa de
quem vive a realidade da deficiência. Significa cobrar do setor privado uma
inclusão que vá além da fachada. Significa, enfim, entender que o maior ativo
de um país é seu povo, em toda a sua diversidade.
A
dignidade e o potencial de cada pessoa com deficiência são a Luz que não se vê
nas planilhas frias, mas que se enxerga no futuro de um país que finalmente
escolhe ser mais justo e, por consequência, mais rico. Deixar de investir nisso
não é uma economia. É o nosso maior e mais irresponsável prejuízo.
André Naves - Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).
Nenhum comentário:
Postar um comentário