Redução do IOF, aumento de impostos sobre investimentos e apostas, corte de renúncias e mais tributos para fintechs mostram um governo pressionado por déficit e sem plano claro. Especialista alerta para o risco de travar o crédito e gerar insegurança nos mercados.
Depois de semanas de críticas,
resistência no Congresso e pressão do setor produtivo, o governo federal decidiu
recalibrar o aumento do IOF, medida que, originalmente,
renderia R$ 19 bilhões por ano. A mudança, anunciada após uma reunião de
emergência no dia 8 de junho com lideranças políticas, diminuiu o escopo da
cobrança, mas trouxe consigo um pacote de novos tributos e ajustes emergenciais.
Agora, para tentar tapar o buraco fiscal de R$ 30 bilhões e evitar um colapso na meta de déficit zero, o governo propõe:
·
Tributar aplicações como LCI e LCA, antes isentas;
·
Aumentar o imposto sobre apostas
online de 12% para 18%;
·
Equiparar a tributação das fintechs à
dos bancos tradicionais;
·
Cobrar IR sobre Juros Sobre Capital
Próprio (JCP);
·
E ainda cortar 10% das renúncias fiscais federais.
Na prática, é um
verdadeiro “Frankenstein fiscal” costurado às pressas para garantir
receitas, o que levou especialistas a enxergarem não um plano estruturado, mas um governo
perdido, tentando arrecadar de qualquer lugar.
“O que estamos
vendo é uma série de medidas de emergência, puxadas em diversas frentes, que
mostram o governo tentando fazer caixa sem resolver o desequilíbrio estrutural
das contas públicas”, afirma o tributarista e professor universitário André
Charone. “É como se estivessem vendando um cano furado com fita
isolante. Não é assim que se faz política fiscal responsável.”
IOF
menor, mas ainda prejudicial ao crédito
A proposta
original do governo previa um aumento no IOF que penalizaria especialmente
operações como o risco sacado, instrumento comum no
financiamento de pequenas e médias empresas. Com a pressão do Congresso e do
setor financeiro, a alíquota diária foi reduzida em 80%, e a parte fixa,
retirada.
O novo modelo,
segundo o Ministério da Fazenda, deve arrecadar entre R$ 6 e 7
bilhões, ao invés dos R$ 19 bilhões iniciais.
Mesmo assim, os efeitos
sobre o crédito seguem preocupando. A Associação Nacional das
Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (ACREFI) já alertou que o
aumento da tributação, mesmo que menor, encarece operações e pode travar a oferta de
crédito para empresas e consumidores.
“A conta está
sendo jogada para quem empreende, para quem toma crédito, para quem investe.
Isso desestimula o crescimento econômico e pode gerar um efeito perverso: a
arrecadação cai justamente por falta de atividade”, alerta Charone.
Apostas
e fintechs no alvo
Para compensar a
redução no IOF, o governo ampliou a mira: a tributação sobre apostas
online passará de 12% para 18%, aumentando a carga sobre o
setor que mais cresceu nos últimos dois anos. A medida é vista como necessária,
mas está sendo feita sem planejamento claro de alocação de recursos, e
pode afugentar investidores em empresas do setor.
Além disso,
fintechs como Nubank, C6 e PicPay terão aumento de carga tributária, sendo equiparadas
aos bancos tradicionais na CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
A nova alíquota pode chegar a 20% para instituições de grande porte.
“Em vez de
discutir um plano tributário justo e moderno para o setor digital, o governo
prefere igualar pela alíquota, ignorando diferenças de estrutura e função. É
uma visão simplista e arrecadatória, que pode sufocar a inovação”, comenta
Charone.
Tiro
no pé: taxar LCI, LCA e JCP
Outra frente que
preocupa o mercado é a proposta de tributar LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e LCA
(Letras de Crédito do Agronegócio) — aplicações hoje isentas e
fundamentais para o financiamento de dois setores estratégicos: habitação e
agropecuária.
A medida, embora
ainda em análise, gerou forte reação do setor bancário e do agronegócio, que
alertam para uma redução na captação de recursos e encarecimento do crédito rural e
imobiliário.
Também está na
mesa o fim da isenção do IR sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP), prática
usada por empresas para distribuir lucros de forma mais eficiente. A tributação
deve aumentar o custo de capital e reduzir o atrativo para investidores.
“É uma escolha
míope. Mexer com LCI, LCA e JCP é tirar oxigênio de setores que sustentam a
economia real. Estamos apostando em arrecadação imediata, ao custo de travar
investimentos no médio prazo”, diz Charone.
Renúncias
fiscais: corte ou confusão?
A medida que
mais agrada os economistas, redução de 10% nas renúncias fiscais federais, ainda
gera dúvidas. O governo estima arrecadar até R$ 40 bilhões, mas ainda não
explicou quais incentivos serão atingidos.
Setores com
lobby forte, como indústria automotiva, farmacêutica e exportadores, já se articulam
para manter seus benefícios. Enquanto isso, o corte pode acabar sobrando
para áreas sensíveis, como educação, saúde e cultura.
“Cortar renúncia
faz sentido, mas precisa ser com critério técnico. Do contrário, vira mais uma
gambiarra fiscal que troca uma distorção por outra”, alerta Charone.
Diagnóstico:
improviso fiscal em modo automático
O sentimento
entre analistas é de que o governo entrou em modo de sobrevivência fiscal.
A ameaça de “shutdown” virou manchete, mas o verdadeiro problema é a ausência de
um plano de longo prazo que enfrente a raiz do desequilíbrio.
“Estamos vendo
um governo que não quer cortar despesas improdutivas, nem mexer em privilégios.
Em vez disso, amplia ministérios, aumenta impostos e tenta se equilibrar em
medidas pontuais”, resume André Charone.
O risco, segundo
ele, é que esse modelo trave o crescimento econômico e
crie um ambiente de insegurança jurídica e fiscal para
empresas e investidores.
O
que poderia ser feito?
Especialistas
como Charone apontam alternativas mais estruturadas e menos danosas à economia:
· Revisar
benefícios tributários com foco técnico: Eliminar isenções sem
impacto social, preservando aquelas com retorno claro (como Zona Franca de
Manaus e filantrópicas).
· Combater supersalários e regalias: Aplicar o teto constitucional efetivamente e cortar penduricalhos no funcionalismo de alto escalão.
· Fazer uma reforma administrativa: Reduzir o crescimento da folha de pagamento e reorganizar carreiras públicas para eficiência e meritocracia.
· Repriorizar gastos públicos: Cortar emendas parlamentares ineficientes, reavaliar contratos e gastos de custeio da máquina.
O governo
conseguiu evitar um confronto direto com o Congresso, mas o preço disso foi um pacote improvisado,
cheio de puxadinhos fiscais. A mensagem passada ao mercado é de
insegurança e falta de clareza, o oposto do que
se espera de uma gestão que busca equilíbrio fiscal.
“A conta chegou, e o governo precisa decidir se vai resolver o problema ou continuar empurrando com medidas paliativas. O Brasil precisa de responsabilidade, mas também de coerência”, conclui Charone.
André Charone - contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA). É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e dezenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional. André lançou recentemente o livro 'A Verdade Sobre o Dinheiro: Lições de Finanças para o Seu Dia a Dia', um guia prático e acessível para quem deseja alcançar a estabilidade financeira sem fórmulas mágicas ou promessas de enriquecimento fácil. O livro está disponível em versão física pela Amazon e versão digital pelo Google Play.
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Versão Digital (Google Play): https://play.google.com/store/books/details?id=2y4mEQAAQBAJ
Instagram: @andrecharone
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