Não é de hoje que os pets deixaram de ocupar os quintais dos lares para se tornarem verdadeiros membros das famílias, com acesso a camas, viagens, festas de aniversário e atenção exclusiva. Essa mudança, motivada por vínculos afetivos cada vez mais intensos, impulsionou avanços significativos no cuidado com a saúde e o bem-estar dos animais — mas também trouxe novos desafios para responsáveis e médicos-veterinários.
A chamada humanização dos pets é um reflexo da
evolução das relações entre humanos e animais. Incluir cães e gatos na rotina,
nas viagens, nas celebrações e nas dinâmicas sociais não é apenas legítimo,
como também benéfico. Estudos apontam que a convivência afetiva fortalece o
vínculo responsável-animal e contribui para a saúde emocional dos pets e dos
humanos, podendo reduzir significativamente quadros de estresse, depressão e
ansiedade.
No entanto, quando esse comportamento é levado ao
extremo — tratando o animal como um humano, sem considerar suas necessidades
naturais, instintos e comportamentos — o que era cuidado, se transforma em
desequilíbrio. A boa intenção pode acabar comprometendo a saúde física e
emocional dos pets.
O bem-estar animal começa pelo
respeito à sua natureza
A medicina veterinária adota como referência os
cinco pilares do bem-estar animal, amplamente reconhecidos por entidades
nacionais e internacionais:
- Livre
de fome e sede: acesso contínuo à água limpa e à alimentação adequada às
necessidades fisiológicas de cada espécie.
- Livre
de desconforto: ambiente limpo, seguro e confortável, que respeite as preferências
e os hábitos do animal.
- Livre
de dor, lesões e doenças: cuidados veterinários preventivos, vacinação
em dia e monitoramento de sintomas.
- Livre
para expressar comportamentos naturais: estímulo à manifestação de
instintos como farejar, caçar, cavar ou se esconder.
- Livre
de medo e estresse: convivência respeitosa, previsibilidade na
rotina e ambientes seguros.
É com base nesses pilares que conseguimos
diferenciar o que é cuidado do que é excesso. Vamos tomar como exemplo as
creches para cães, muitas vezes alvo de julgamento como “mimos desnecessários”.
Para cães que vivem sozinhos por longos períodos ou possuem alto nível de
energia, esses espaços são fundamentais para o estímulo físico e mental,
favorecendo a socialização, evitando o tédio, reduzindo a ansiedade de
separação e prevenindo distúrbios comportamentais, como latidos excessivos,
destruição de objetos e até comportamentos agressivos.
Já a presença de pets em restaurantes, shoppings e espaços
públicos exige que responsáveis e estabelecimentos prezem por um ambiente
seguro e funcional para todos. O animal precisa estar confortável, livre de
situações estressantes, como som alto e pouco espaço, e o estabelecimento deve
seguir protocolos de higiene, controle e regras claras de convivência.
Outro ponto frequente de dúvida é o uso de roupas e
acessórios. Embora as roupinhas sejam visualmente agradáveis — e, sim, possam
ser funcionais em dias frios ou em animais de pelagem curta, idosos ou debilitados
— o uso indiscriminado pode gerar desconforto, atrapalhar a regulação térmica,
dificultar a movimentação e até desencadear alergias ou lesões dermatológicas.
O que é divertido para os humanos, como o uso de óculos, adereços na cabeça,
fantasias e roupas com muitos detalhes, provavelmente é desconfortável para os
animais, exceto para aqueles já bastante acostumados. A melhor orientação
é sempre observar o comportamento do pet: ele aceita bem a roupa? Mostra sinais
de incômodo, coceira, apatia ou agressividade ao vesti-la? Nessas situações, o
médico-veterinário pode ajudar o responsável a identificar o limite entre o
carinho e o excesso.
Tratar o animal com afeto não deve significar
restringir sua natureza. Cães são farejadores e cavadores por instinto. Proibir
que explorem o ambiente, em casa e nos passeios, ou que manifestem seu
comportamento, pode comprometer sua saúde emocional. Gatos, por sua vez, são
caçadores natos, e precisam de estímulos como arranhadores, brinquedos de
perseguição e espaços verticais para se movimentar. Suprimir esse comportamento
por receio de sujeira, barulho ou estética do lar pode levar a quadros de
ansiedade, estresse e até doenças psicossomáticas.
A humanização positiva dos pets está no
reconhecimento de seu valor como parte da família, com acesso à saúde,
segurança, afeto e presença. Ela precisa vir acompanhada de um olhar atento aos
limites e às necessidades do animal, respeitando seu comportamento natural, sua
fisiologia e sua individualidade, e a medicina veterinária está cada vez mais
preparada para orientar os responsáveis nesse caminho.
Humanizar não é “humanizar demais” — é compreender
que cães e gatos têm códigos próprios de comunicação, de prazer, de medo e de
felicidade. E que o amor mais puro que podemos oferecer é o que cuida sem
projetar, acolhe sem forçar, protege sem aprisionar. E, sim, amar e respeitar é
ter pelos nas roupas, decoração alterada, brinquedos pela casa e tempo
dedicado. Tudo isso certamente vale muito a pena.
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