Documento pode determinar frequência afetiva do relacionamento e também, que não há possibilidade de divisão de bens entre partes envolvidas
Seja por questões afetivas ou para proteger o patrimônio, nos
últimos anos, muitos casais aderiram a uma espécie de documento para determinar
exatamente o que define e o que pode ser esperado da sua relação. De acordo com
o Colégio Notarial do Brasil (CNB), em 2023, 126 contratos de namoro foram
registrados como recorde no país; e em 2024, o documento ficou em alta após o
jogador Endrick, da Seleção Brasileira, revelar termo que cumpria com a
namorada.
Cláusulas comuns versam sobre a data de início do relacionamento,
obrigação de comemorar esta data e os respectivos aniversários, dizer ‘eu te
amo’ todos os dias e a proibição de dormir sem conversar após uma briga.
“Outras cláusulas mais específicas tratam de quantas vezes o casal deve ter
relações sexuais por semana, quantas vezes por mês devem fazer algum programa
especial a dois, ou ainda a possibilidade de indenização em caso de traição”,
exemplifica a advogada Cintia de Fátima Silva, especialista em Direito de
Família.
Além da área afetiva, esse tipo de contrato ganhou visibilidade
porque formaliza os termos de uma relação amorosa entre duas pessoas que não
tem intenção de constituir família, e assim, dividir patrimônio. “O objetivo é
afastar a possibilidade de reconhecimento de uma união estável e, consequentemente,
seus efeitos jurídicos, como partilha de bens e efeitos hereditários”, explica
Cintia.
De acordo com a profissional, que é professora do curso de Direito
da Estácio, a prática se popularizou na pandemia, que impôs uma convivência
restrita e diária entre os casais, mas segue cada vez mais atual e comum – e
aceito pelo Poder Judiciário.
“Quando celebrado por pessoas capazes e mediante instrumento
adequado, o contrato poderá ser válido por atender os requisitos legais,
prevalecendo para os envolvidos enquanto perdurar as características do namoro.
Porém, se na análise do caso houver provas da intenção de constituir família, o
contrato é passível de revogação, passando a ser aplicadas as regras que
envolvem a união estável”.
Quando o namoro acaba
Visto com naturalidade por alguns casais, mas com estranhamento
por outros, o documento pode ser bastante útil quando o relacionamento chega ao
fim. “Quando o casal não define claramente o tipo de relação que vive, os atos
de ambos, na prática, podem se confundir com o que se pensa da própria relação,
ou seja: o casal pode agir como se fossem casados, numa aparente união estável,
quando em verdade um deles, ou os dois, entende estar apenas num namoro”,
alerta a jurista.
“Em caso de término, a aparência da convivência vivida pode ser
levada à Justiça, e preencher os requisitos da união estável, sendo possível
que o juiz determine eventual partilha de bens, pensão alimentícia, entre
outros direitos inerentes a esse tipo de relação”.
Na união estável, de acordo com o Código Civil, valem as mesmas
regras de um casamento com comunhão parcial de bens, quando os bens adquiridos
durante a convivência são divididos em proporções iguais. Cintia explica que
“quando essa intenção de formar uma família é caracterizada, têm-se os efeitos
jurídicos inerentes ao Direito de Família. Assim, em caso de término, além da
possibilidade de partilha de bens, pode haver pedido por pensão alimentícia,
direitos sucessórios, etc. No contrato de namoro não há essas consequências
jurídicas justamente porque as partes acordam que se trata de um simples
namoro”, esclarece.
Como fazer um contrato de namoro
Para os casais interessados em aderir à prática, a advogada Cintia
de Fátima Silva orienta que a cláusula mais importante é a de “inexistência de intenção
de constituir família”. Outro ponto importante é que “o documento deve refletir
a vontade genuína do casal, sem pressões, de forma que as cláusulas sejam
confortáveis e justas para os dois lados”.
Pode-se também pensar em cláusulas específicas sobre os desejos e
vontades de ambos, inclusive sobre as particularidades do casal que os dois
sintam que seja importante definir. Entretanto, o contrato não pode ter
cláusulas abusivas contra a dignidade humana, conforme esclarece a
profissional. “Termos dessa natureza, além de serem nulos ou anuláveis, podem
gerar obrigação de indenizar por danos morais, se ferir a honra, o corpo físico
ou causar constrangimento excessivo às partes”, afirma.
Quanto às questões fiscais e patrimoniais, o contrato pode especificar
que cada parte manterá seus bens separados. Se for redigido pelo casal, o
contrato deve ter descrito com clareza os termos do relacionamento.
Feito isso, as partes podem inserir as cláusulas que desejarem – desde que respeitem a dignidade humana e os limites pessoais de cada um. “É importante dialogar e listar o que cada um deseja, e o que seria bom fica acordado entre os dois de forma a evitar dúvidas ou problemas futuros”, aponta a profissional.
Apesar de não ser obrigatório, a especialista orienta o acompanhamento de um advogado para elaborar o documento. “Como se trata de um contrato particular, as partes podem exceder os limites da lei sem saber e, eventualmente, alguma cláusula pode ser invalidada, gerando dever de indenizar entre os envolvidos. Da mesma forma, não é obrigatório o registro do documento em cartório, embora desta forma o contrato de namoro seja a mais segura. O modo mais comum costuma ser um contrato feito entre as partes, onde cada um assina o documento e reconhece a firma dessa assinatura”, finaliza.
Estácio
estacio.br
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