Estudo realizado em ratos por pesquisadores do Brasil, EUA e Noruega mostrou os efeitos do exercício físico na condição conhecida como caquexia do câncer. Análise sugere o treinamento como terapia auxiliar para pacientes oncológicos (imagem: células musculares tratadas com meio condicionado de células tumorais. O modelo in vitro de caquexia do câncer, foi utilizado nas últimas etapas do estudo; imagem: acervo dos pesquisadores)
A prática
de exercício físico pode ser favorável para pacientes oncológicos. Estudo
realizado em modelo animal por equipe internacional de pesquisadores comprovou
que o treinamento regular de atividades aeróbicas, além de melhorar a
capacidade física, também reverteu perda de massa muscular, normalizou a função
contrátil do músculo e, sobretudo, prolongou em 30% a sobrevida de ratos com
tumores.
Artigo,
publicado na revista Molecular Metabolism,
descreve pesquisa realizada em ratos com caquexia decorrente do câncer e que
recuperaram funções perdidas do músculo esquelético por meio do exercício
físico. Alguns dos resultados obtidos em experimentação animal foram reforçados
por meio da análise de tecidos musculares de pacientes com câncer de pulmão.
O estudo,
apoiado pela FAPESP, por meio de um Projeto Temático sobre
câncer e coração e do programa de mobilidade Sprint/FAPESP,
mostrou que o exercício físico pode reverter essa ação do câncer de alterar a
expressão de algumas proteínas do músculo esquelético.
“Pacientes
oncológicos tendem a apresentar atrofia muscular, a chamada caquexia do câncer.
Isso porque, para o tumor se desenvolver, ele precisa interagir com o organismo
e o músculo esquelético pode se tornar uma fonte de reserva de energia.
Basicamente, o tumor vai produzir vários fatores para tentar extrair toda a
proteína guardada no músculo esquelético para crescer. Nesse processo, perde-se
força e massa”, explica Christiano Alves,
um dos autores do estudo.
Alves
foi bolsista da FAPESP e
atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Harvard
(Estados Unidos).
No estudo,
a comparação em modelo experimental de ratos com câncer e caquexia severa
mostrou que os animais com tumores e que realizaram treinamento físico –
semelhante à corrida e caminhada em esteiras adaptadas – apresentaram sobrevida
30% maior do que aqueles com caquexia do câncer que permaneceram sedentários.
“Ao
analisar o músculo isoladamente, observamos que o treinamento físico reduziu o
estresse oxidativo e melhorou as funções do músculo esquelético, como a capacidade
de contração”, diz.
No
rastro das proteínas
Para
investigar os efeitos dos tumores no músculo esquelético, os pesquisadores
realizaram inicialmente uma análise proteômica (variação na expressão de
proteínas) no músculo de três grupos: animais com tumores e caquexia que
realizaram exercício, animais com câncer e caquexia que permaneceram
sedentários e animais saudáveis.
“Buscamos
identificar proteínas musculares alteradas na caquexia do câncer e que fossem
alvo terapêutico pelo exercício físico, ou seja, que pudessem ter a sua
expressão modificada novamente, por meio do exercício físico, chegando a um
estado próximo dos animais sem câncer. Nosso estudo não buscou um fármaco, pois
sabemos que o exercício físico pode trazer várias mudanças e benefícios,
inclusive um estilo de vida mais saudável, e configura uma terapia de baixo
custo”, diz Patricia Chakur Brum ,
professora titular de fisiologia do exercício da Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e orientadora.
Entre as
várias proteínas alteradas pelo câncer que foram identificadas na análise
proteômica, 12 tinham a expressão modificada em sentido oposto ao câncer pelo
exercício físico, sendo a proteína COPS2 (também nomeada como TRIP15/ALIEN) a
mais proeminente delas.
Muito
estudada – embora nunca tenha sido relacionada especificamente ao músculo
esquelético –, essa proteína é essencial para a manutenção de todo tipo de
célula. Na análise, a expressão da COPS2 estava claramente diminuída no modelo
de câncer, sendo posteriormente recuperada pelo exercício físico.
“Costumava-se
creditar ao músculo esquelético as funções de sustentação, locomoção e também
de armazenamento de proteínas importantes para o metabolismo e que servem como
um substrato energético para o organismo. Hoje sabemos que o músculo
esquelético apresenta outras funções. Ele funciona como um órgão endócrino que
libera proteínas ali sintetizadas e que podem agir em diferentes tecidos do
organismo”, diz Brum.
A
pesquisadora ressalta ainda outro fator importante: as proteínas liberadas
pelos músculos (miocinas) agem a distância. “O que estamos tentando fazer com
esses estudos é produzir conhecimento e mostrar a necessidade da prática de
exercício físico também para pacientes oncológicos. O exercício físico aumenta
a produção dessas miocinas, servindo como um instrumento terapêutico. Quando
extrapolamos isso para o paciente com câncer, o exercício físico se torna
fundamental”, diz Brum.
Análise
de caso
Paralelamente
ao estudo de proteômica realizado nos animais, os pesquisadores analisaram o
tecido muscular de seis pacientes com câncer de pulmão – em tratamento no
Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) sob a supervisão de Gilberto de Castro
Jr., que colaborou no projeto – e compararam a variação de proteínas com a de
quatro indivíduos saudáveis.
“Observamos
que, assim como ocorreu no modelo animal, a expressão da proteína COPS2 também
decaiu muito em pacientes com câncer de pulmão e caquexia. Os dados dos
pacientes são ainda preliminares, pois é um número reduzido de indivíduos
estudados, no entanto, se apresentam como uma prova de conceito do que foi
avaliado em modelo animal”, afirma Alves.
O grupo de
pesquisadores ainda investigou quais mecanismos estão envolvidos no processo de
perda de massa do músculo esquelético em consequência do câncer e como o
exercício físico surge como uma forma de recuperá-lo. Para isso, foram
realizadas análises em cultura celular de camundongos e humanos.
As
análises mostraram que, a despeito do aumento da proteína COPS2 não ter
alterado o fenótipo e o metabolismo da célula muscular, a sua redução foi
benéfica por regular a F-actina, importante proteína muscular contrátil
relacionada ao estresse oxidativo.
“Por meio
de técnicas de biologia molecular, foi possível inativar ou superexpressar a
proteína COPS2 para avaliar o metabolismo do músculo. No conjunto da obra,
nosso estudo mostrou que a redução da COPS2 na caquexia é um mecanismo
compensatório do músculo esquelético. Isso significa que a proteína surge como
um sinalizador de que algo não está bem no músculo, de que está ocorrendo
caquexia”, diz Alves.
Nessa
equação, o estudo comprovou que o exercício físico consegue, inclusive,
viabilizar a expressão da proteína COPS2. “O exercício traz o músculo de volta
para um estado normal e ao regularizá-lo não é mais necessário haver a
sinalização da COPS2. Analisando diretamente, o exercício reduz o estresse
oxidativo no músculo que se reflete na sua função primordial, que é contrair e
relaxar. Isso resulta ainda em uma melhora completa, inclusive no metabolismo
do indivíduo”, afirma Brum.
O
artigo Exercise training reverses cancer-induced oxidative stress and
decrease in muscle COPS2/TRIP15/ALIEN (doi: 10.1016/j.molmet.2020.101012),
de Christiano R. R. Alves, Willian das Neves, Ney R. de Almeida, Eric J.
Eichelberger, Paulo R. Jannig, Vanessa A. Voltarelli, Gabriel C. Tobias, Luiz
R. G. Bechara, Daniele de Paula Faria, Maria J. N. Alves, Lars Hagen, Animesh
Sharma, Geir Slupphaug, José B. N. Moreira, Ulrik Wisloff, Michael F. Hirshman,
Carlos E. Negrão, Gilberto de Castro Jr, Roger Chammas, Kathryn J. Swoboda,
Jorge L. Ruas, Laurie J. Goodyear, Patricia C. Brum, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212877820300867?via%3Dihub#! .
Maria Fernanda Ziegler
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/exercicio-fisico-reverte-atrofia-muscular-provocada-por-cancer-e-pode-aumentar-sobrevida-de-pacientes/34075/
Nenhum comentário:
Postar um comentário