Ciúme, matéria de
psicólogos, psiquiatras, neurologistas, estudiosos do comportamento, mas não de
juristas. Equívoco.
A conceituação do dano
moral é uma das mais complexas tarefas da ciência do direito. O dano é
imaterial, portanto insuscetível de perícia; varia de caso para caso, no
tangente à provocação, pelo ato praticado, de lesões à personalidade e à
intimidade da vítima. Em várias hipóteses, entende-se que o dano moral causado
a uma pessoa não deve caracterizar-se em relação a outra.
Exemplificativamente, a
mulher e o homem público, que se expõem, por sua opção de participar das causas
públicas, deve possuir resistência superior às críticas, em comparação ao
cidadão que não transpõe sua cidadela privada. Aqueles devem estar adrede
preparados ao recebimento de objurgatórias, é dizer, devem possuir uma crosta
epidérmica no terreno psíquico, dispensável aos demais.
Reparação do dano moral no
direito brasileiro, exsurgida no texto da Constituição de 1988. Anteriormente,
eram raras as decisões judiciais que a admitiam; em geral, como se considerava
impossível cifrá-lo, não se o admitia. Um erro de lógica, ao se considerar
ineficaz um fato, dada a impossibilidade da inteligência humana de mensurar a
extensão de suas consequências.
O obstáculo foi superado,
a exemplo de tantos outros, aparentemente impeditivos da presença de
institutos jurídicos no direito brasileiro, mediante o recurso ao direito
comparado, vigente nas nações ditas juridicamente civilizadas. E foi posto no
artigo 5º da Constituição do Brasil, aquele que descreve a relação de direitos
fundamentais do homem, fundamentalmente os historicamente originários da revolução
francesa. Esclareça-se que a Constituição, em sua origem depositária de um
cadinho de tensões sociais e políticas, em geral consagra preceitos, garantias,
liberdades e princípios até mesmo antagônicos. Cabe aos operadores do direito,
seus intérpretes, em sua aplicação, fazer valer os direitos, mais importantes à
comunidade, sobre os demais que com eles convivem no texto da lei básica. São
os denominados direitos fundamentais.
Todos os do artigo 5º são
fundamentais. O acervo jurídico imaterial da pessoa humana está tutelado no
inciso X do art. 5º, nos seguintes termos: "São invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Como dissemos, o dano
moral tem essência imaterial, porquanto todos esses valores pessoais, acima
descritos, não possuem, de imediato, materialidade. No entanto, apenas para
exemplificar, violação da intimidade pode importar, para que esta seja
recomposta, em tratamentos médicos e psicológicos, que têm custos; à violação à
vida privada, à honra e a imagem, além do que antes asseverado, podem ser
objeto de outros danos: a periclitação da honra e da imagem podem geralmente
implicar em desemprego, que tem um conteúdo material muito facilmente
perceptível.
O sofrimento psicológico é
inerente à violação da intimidade. O problema reside em saber-se de sua
ocorrência e de sua extensão. Um bom método é colocar-se o jurista no lugar da
pessoa da vítima, conduta rara nos juízes; a invasão da vida privada idem,
porquanto todos nós temos um círculo de vivência, exclusivamente nosso; a honra
e a imagem, como asseverado, podem gerar, quando abaladas, sofrimentos íntimos
e físicos diretos, não meramente psicossomáticos.
O ciúme natural não
significa ataque a esses valores. De pequena e média intensidade, são naturais
da pessoa humana. Porém, quando constantes, agressivos, opressivos e sem justa
causa, violam todos: a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Bastaria
uma violação à configuração do dano moral por ciúme anormal. Mas todos os
valores são calcados aos pés do ciumento (a). A intimidade é invadida, e de
modo profundo, quando o tratamento lhano, gentil, por nós devido a todos os
demais componentes da espécie, são tidos como comprometimento emocional e
sexual com outra pessoa, simplesmente por ser do outro sexo; a vida privada é
invadida, porquanto restringido o campo da liberdade pessoal; a honra e a
imagem são abaladas, quando o ciúme se exterioriza e chega ao conhecimento de
terceiros, se a vítima valoriza o comportamento fiel.
Evidentemente, a hipótese
é eventual nos Tribunais. Os casais se contentam, de modo pragmático, com a
separação e o divórcio. Isso, contudo, não elide a conduta ilícita. Talvez se a
indenização por ciúme fosse mais utilizada, muita gente não se negaria a um
tratamento médico e psicológico, porquanto nesse plano se insere o ciúme
doentio. O bolso ou a bolsa talvez seja o melhor psicólogo. Devemos contribuir
à cura dos seres humanos mentalmente desequilibrados, mas não temos nenhuma
obrigação de suportar efeitos deletérios de seus atos.
Amadeu
Roberto Garrido de Paula - Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula
Advogados.
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