Relatório da FGV mostra explosão de conteúdo falso nos aplicativos de mensagem e alerta para riscos à saúde e violação de direitos de pessoas autistas
No Dia do Orgulho Autista, celebrado em 18 de junho, especialistas e ativistas fazem um alerta urgente: o Brasil é hoje um dos principais epicentros globais de disseminação de desinformação sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). De supostas "curas milagrosas" a teorias conspiratórias perigosas, conteúdos enganosos se espalham com força, especialmente nas redes sociais e em grupos de mensagens.
Um estudo inédito do Laboratório de Estudos sobre Desordem
Informacional e Políticas Públicas da FGV, em parceria com a Associação
Autistas Brasil, analisou mais de 58 milhões de mensagens em comunidades do
Telegram entre 2019 e 2024. O levantamento revelou que a desinformação sobre o
autismo cresceu impressionantes 15.000% no período — e que 46% desse conteúdo
foi gerado ou compartilhado em comunidades brasileiras, o maior percentual da
América Latina.
O ciclo da desinformação: de fake news a decisões perigosas
A desinformação sobre autismo não se restringe a boatos inofensivos. Ela impacta diretamente decisões de famílias e profissionais, colocando em risco a saúde e o bem-estar de crianças e adultos autistas. Entre os conteúdos mais recorrentes estão promessas de "cura" por meio de dietas restritivas extremas, uso de substâncias não regulamentadas ou mesmo terapias sem respaldo científico.
“A ideia de que o autismo é algo a ser eliminado ou corrigido
alimenta práticas violentas, desde internações forçadas até o uso de
substâncias como MMS (clorito de sódio), que é altamente tóxico”, afirma o
especialista em inclusão, Professor Nilson Sampaio. Além dos riscos à saúde, a
propagação de mitos prejudica a luta pela inclusão e pelo respeito à
neurodiversidade. Narrativas que associam autismo a vacinas, negligência parental
ou influências tecnológicas minam o entendimento público e reforçam o estigma
social.
Por que o Brasil? Ambientes digitais, desinformação e vulnerabilidade
O cenário brasileiro reúne condições particularmente propícias para o crescimento da desinformação: alto uso de redes sociais, déficit de políticas públicas em saúde digital, dificuldade de acesso a diagnósticos e tratamentos adequados, e uma cultura de desconfiança em relação à ciência. “A falta de apoio do Estado para famílias que recebem o diagnóstico leva muitas delas a buscarem alternativas por conta própria, e aí caem facilmente em armadilhas”, explica Sampaio.
Grupos em aplicativos de mensagens, fóruns e perfis com grande
alcance costumam misturar conteúdos com aparência científica e pseudociência,
atraindo seguidores com linguagem emocional e promessas rápidas. Em muitos
casos, há também exploração financeira — venda de cursos, terapias e
suplementos que prometem reverter ou "normalizar" o comportamento
autista.
Educação midiática e políticas públicas: os caminhos possíveis
Diante do avanço das fake news, cresce a demanda por políticas
públicas que promovam alfabetização midiática, fiscalização da publicidade de
terapias alternativas e garantia de acesso a diagnósticos precoces e serviços
baseados em evidências. O PL 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”,
voltou a ser debatido no Congresso com foco especial na regulação de
plataformas digitais. Organizações ligadas à neurodiversidade pressionam para
que o tema da desinformação sobre deficiência seja incorporado ao texto da lei.
“Não se trata de censura, mas de proteger famílias de promessas falsas e de
promover o acesso à informação segura e validada por profissionais”, argumenta
Sampaio
Mais do que orgulho: um chamado à responsabilidade coletiva
Neste 18 de junho, o Dia do Orgulho Autista convida não só à
celebração da neurodiversidade, mas também à responsabilidade diante do que
circula nas telas. O combate à desinformação é, sobretudo, uma defesa da vida,
da autonomia e da dignidade de pessoas autistas. “Informar-se por canais
confiáveis, ouvir vozes autistas e desconfiar de soluções mágicas são gestos
simples, mas que podem fazer toda a diferença. Em tempos de algoritmos
acelerados, o cuidado com o outro também se faz clicando com consciência”,
completa Sampaio.


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