Opinião
O laboratório dinamarquês Novo Nordisk apresentou
ao mundo, em 2010, a liraglutida, uma substância desenvolvida inicialmente para
tratar diabetes, que se tornaria precursora de um fenômeno global dos chamados
“agonistas dos receptores de GLP-1”. Em 2017, o mesmo laboratório lançou a
semaglutida, mais potente e também indicada inicialmente para diabetes tipo 2.
Em 2021, chegava um segundo produto à base de semaglutida, dessa vez com
estudos já voltados ao tratamento da obesidade. Desde então, o que tem se observado
é um sucesso absoluto de vendas.
Com a resposta animadora nos resultados dessas
medicações, muitos se perguntam se eles tomarão o lugar da cirurgia bariátrica,
a última grande revolução até então no tratamento da obesidade. Um estudo
realizado por pesquisadores do Brigham and Women's Hospital, segundo
maior hospital de Harvard Medical School, localizado em Boston (EUA), indicou
que o número de obesos com seguro privado que utilizam esses medicamentos
antiobesidade mais que dobrou entre os anos de 2022 e 2023. Em contrapartida,
nesse mesmo período, o número de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica
metabólica para tratar a obesidade teve uma queda de 25,6%.
No Brasil, os mesmos 25% de queda foram registrados
no número de cirurgias bariátricas realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS),
que passou de 71.342 procedimentos em 2023, para 53.340 cirurgias em 2024.
Especialistas indicam que fenômeno semelhante aconteceu na saúde suplementar,
mesmo com o Brasil sendo um dos países com maior número de obesos. Essa
tendência pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo esse avanço de
tratamentos medicamentosos para obesidade, mudanças nas expectativas dos
pacientes e a instabilidade econômica, que nos últimos anos tem levado
pacientes a retardarem seus tratamentos, fator que impacta o acesso a
procedimentos de alto custo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
em artigo publicado no periódico Jama, em dezembro do ano passado, os
medicamentos para perda de peso podem ajudar a acabar com a pandemia da
obesidade no mundo, mas não sozinhos. No material, a organização defendeu
cautela para que os medicamentos não distorçam a resposta à crise global dessa
doença crônica e a necessidade de se incluir outras intervenções médicas e
políticas públicas nesse jogo.
Considerando a eficácia, a manutenção a longo prazo
e o custo-benefício, o tratamento mais duradouro e eficiente para obesidade
grau II com comorbidades e grau III, com ou sem comorbidades, é a cirurgia
bariátrica, especialmente quando comparada ao uso prolongado dos análogos do
GLP-1. Isso é comprovado a partir de pesquisas que apontam que a
sustentabilidade do peso perdido é superior com a cirurgia, visto que pacientes
perdem, em média, 25% a 35% do peso inicial e mantêm essa perda por mais de dez
anos. Outro fator importante a ser considerado é a remissão de comorbidades
como diabetes tipo 2 que é revertida em 80% dos casos (especialmente quando
utilizado o bypass gástrico) e de casos de hipertensão e apneia do sono,
que melhoram ou desaparecem em mais de 60% dos pacientes.
Engana-se quem acredita que exista uma concorrência
entre a cirurgia bariátrica e os análogos do GLP-1. O que se defende é que os
dois são eficazes no tratamento da obesidade. Tudo vai depender de cada caso e
de cada paciente.
As canetas são indicadas inclusive por cirurgiões
bariátricos para pacientes que não querem ou não podem se submeter ao
procedimento cirúrgico. Também é uma ótima alternativa para pacientes com IMC
(índice de massa corporal) entre 27-35 kg/m², quando a cirurgia não é
prioritária, ou para pessoas com obesidade grau II (IMC superior a 35 kg/m²)
sem indicação de cirurgia imediata. Em alguns casos, cirurgia bariátrica e
análogos do GLP-1 juntos são a melhor abordagem, especialmente quando há
reganho de peso leve ou moderado após a bariátrica.
Além disso, independente da abordagem indicada, o
uso das canetas emagrecedoras e a cirurgia bariátrica só apresentam resultado
efetivo e melhora esperada na saúde e na qualidade de vida das pessoas se forem
associadas às mudanças no estilo de vida. Isso envolve uma alimentação
equilibrada, prática regular de atividade física e cuidado com a saúde
mental.
De qualquer forma, essa é uma discussão que precisa
ir além de uma batalha simplista, afinal estamos falando de uma pandemia que
atingia mais de 1 bilhão de pessoas no mundo em 2022, segundo estudo publicado
no ano passado pela OMS. E o futuro se mostra ainda mais preocupante. Enquanto
a obesidade entre adultos mais do duplicou desde 1990, a doença mais do
quadruplicou entre crianças e jovens de 5 a 19 anos. Temos em frente toda uma
geração de pessoas que irá lutar contra o sobrepeso.
Precisamos ter consciência que estamos diante de
dois grandes avanços da Medicina e da Ciência. Seja com cirurgia ou com
medicamentos, a verdadeira batalha que estamos lutando é contra a obesidade.
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