Há alguns, anos observamos o intenso debate sobre o aumento do número de médicos no país. Diversos fatores permeiam esta questão e podem implicar na qualidade de saúde da população
Segundo
a última demografia médica publicada pelo Conselho Federal de Medicina em
conjunto com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, haverá um
crescimento substancial na densidade populacional de médicos nos próximos
quatro anos, predominantemente nos grandes centros urbanos, devendo atingir
cerca de 610.133 profissionais distribuídos heterogeneamente por todo
território nacional. Isso se deve à expansão acentuada de vagas para graduação
de medicina no Brasil nos últimos 20 anos. Em 1997, havia 85 escolas médicas e,
em 2019, esse número mais que triplicou, alcançando o total de 336. Somos o
segundo país do mundo com maior número de Faculdades de Medicina, ficando atrás
apenas da Índia.
Este
cenário traz à luz a qualidade necessária quanto a infraestrutura
técnico-científica, educacional e prática, em comparação com a existente. É
visível a carência identificada em vários cursos estabelecidos no território
nacional, sobretudo em relação à falta de estrutura hospitalar tão necessária
para o adequado desenvolvimento do conhecimento e formação de médicos.
A
tendência de queda do nível de ensino é percebida com base nos indicadores
apontados nas duas últimas edições do exame realizado pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), que avaliou recém-formados, obtendo
a aprovação média de 54% dos participantes.
O
desenvolvimento da carreira médica é uma incógnita para muitos egressos do
curso de Medicina, uma vez que existe 55 especialidades e 59 áreas de atuação
reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM); no entanto, há
concentração de 63,6% em apenas dez especialidades. São elas: Clínica Médica,
Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia, Medicina
do Trabalho, Ortopedia e Traumatologia, Cardiologia, Oftalmologia e Radiologia
e Diagnóstico por imagem, por ordem de participação.
Visto
por outra perspectiva, não há registros anteriores no Brasil de tantos
profissionais cursando residência médica, foram 35 mil inscritos em tais
programas em 2017, em todas as unidades da federação,
do primeiro ao sexto ano (R1 a R6). Concomitante a isso, tivemos no mesmo período um índice de 40% de não ocupação de vagas, sendo
percebido uma disparidade entre as especialidades ofertadas e as procuradas.
É
um paradoxo, que aponta para o crescimento da demanda por especialização em
áreas específicas e, ao mesmo tempo, por médicos que optam por não participarem
de residências médicas, se mantendo generalistas.
Teremos
uma geração de superespecialistas e generalistas na mesma proporção?
Ainda
segundo a Demografia Médica, há o fator determinante que é a feminização da
medicina. Considerando que há predominância de mulheres na formação médica
atual, observa-se um crescimento de sua participação em áreas cirúrgicas, sendo
que historicamente ocupavam quase exclusivamente a área clínica.
As
novas gerações, independentemente do gênero, buscam conciliar a vida pessoal e
profissional com vínculos e jornadas mais flexíveis, alterando o perfil da
oferta de trabalho desses profissionais.
As
instituições de saúde, sobretudo verticalizadas, se concentram cada vez mais na
atenção continuada de saúde. Os novos parâmetros atribuídos ao desfecho
clínico, o acompanhamento e a gestão de casos crônicos, a antecipação de
diagnósticos e a qualidade de saúde, poderão fazer parte de um novo
paradigma que motivará a criação de novos formatos de vínculos de trabalho com
diferentes modelos de remuneração.
A ampliação da tecnologia e da telemedicina permeará as diferentes aplicações
em relação às especialidades médicas, por meio do uso de dispositivos vestíveis
e corporais (wearable devices) e aumentará exponencialmente a capacidade de
armazenar e processar dados de pacientes e da população (Big Data),
integrando-se cada vez mais no exercício da medicina.
Sob
um horizonte mais amplo, não se pode ignorar as limitações públicas
orçamentárias na área da saúde, que a partir de 2017 restringiu ainda mais o
financiamento setorial em razão das diretrizes contidas na PEC 241/16,
congelando o percentual destinado para o setor e aplicando-o apenas as
correções inflacionárias. Esse quadro restringirá a capacidade estrutural de
atendimento, assim como inviabilizará a implantação de plano de carreira para
os médicos.
Como
fator disruptivo, o surgimento da pandemia mundial do COVID-19 tem exigido
novas aplicações ao atendimento à distância, tais como conhecer melhor como
aplicar novas técnicas de propedêutica clínica, “exames” a distância e
acompanhamento do desdobramento do tratamento.
Uma
nova era que poderá provocar aos novos médicos a busca pela diferenciação,
especializando-se em subáreas restritas da especialidade médica ou de outra
forma focarem na diversificação do conhecimento, procurando aliar a
especialização principal a fatores mais holísticos da área buscando
flexibilizar sua atuação. As transformações no ambiente da saúde impactarão
cada vez mais sobre este profissional. Estamos na era das relações efêmeras,
conectadas, onde a informação ultrapassa os canais convencionais do passado,
colocando o paciente numa posição privilegiada, interativa, integrada e parte
central destas mudanças.
Jorge Corrêa de Assumpção Neto -
Superintendente de Estratégia e Marketing na Associação
Paulista de Medicina
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