Durante debate sobre violência
doméstica, participante entra no telão e fala para advogado que gostaria de
ajuda-la a emagrecer, deixando o clima do programa tenso. Até quando o
estereótipo dos padrões de beleza vão causar situações como essa?
Imagine a
situação: você está num programa para responder questões sobre o seu trabalho e
entra uma participante ao vivo ‒ até aí tudo bem ‒ porém, a questão é que a
participante é uma médica renomada e ela não tem exatamente uma questão sobre
sua profissão, mas sim um “desafio” para fazer a profissional emagrecer.
Isso mesmo!
Durante a
sua participação no programa Mulheres, da TV Gazeta, com um assunto muito
pertinente na atualidade, a violência contra a mulher, a advogada Sandra
Daniotti se viu presa num constrangimento sem fim. Ela foi desafiada por uma
médica a emagrecer com sua ajuda e de uma equipe. Então, a advogada aceitou o
desafio, mas ficou claramente desconcertada, o que revolta ao assistirmos a
cena e o que nos leva ao questionamento sobre a falta de bom senso do ser
humano.
O que
ocorre é que quando alguém deseja perder peso ela mesma procura por ajuda e não
importa o grau de suposta preocupação: é extremamente invasivo tirar essa
escolha das mãos da pessoa ao colocá-la contra a parede durante sua
contribuição profissional em um programa de TV.
Isso sem
falarmos no desvio de um assunto tão importante para focar no peso de alguém,
para voltarmos os olhares para esse detalhe e, principalmente, para fazermos
com que essa pessoa se sinta mal e perca a fala diante de tamanha invasão.
Curioso é
que quando alguém está abaixo do peso essas preocupações não se dão dessa
forma, o que nos leva a questionar de todas as formas possíveis o quanto a tal
preocupação é real e o quanto o que incomoda, de fato, é realmente alguém fora
dos padrões impostos pela nossa sociedade.
Muito além
da preocupação real
Sei o que
pode ser questionado aqui, mas e a saúde? E os problemas que o sobrepeso pode
trazer para a qualidade de vida? E daí por diante.
E aí que eu
lhes questiono: E os problemas que impor algo para alguém pode trazer para a
autoestima dessa pessoa? O que ser colocada contra a parede durante uma
contribuição profissional na frente de inúmeras pessoas pode provocar em
alguém? O que dá a alguém o direito de questionar o que o outro deve ou não
fazer através de um suposto desafio fora de contexto e em momento impróprio?
Verdade
seja dita, o bom senso se perdeu do ser humano ou o ser humano se perdeu do bom
senso já há algum tempo e fico extremamente triste ao ver o quanto as pessoas não
percebem os impactos de suas ações para o outro, o quanto nos falta empatia e
como pensam em se promover em detrimento do outro, pois, veja bem, na melhor
das hipóteses, a advogada conseguindo perder peso, quem brilha não é ela e sim
a médica que a desafiou.
Ou seja,
uma mulher que se colocou à disposição para tirar dúvidas jurídicas e a outra
que se apropriou da situação para mudar o foco de algo importante para algo que
não lhe foi solicitado acaba tirando um proveito gigantesco disso.
E diante de
uma surpresa desagradável, de péssimo tom na forma como foi feita, um
desrespeito a uma profissional e um uso completamente descabido de um veículo
de mídia importante.
Que todos
possamos parar de mascarar nossas intenções disfarçando-as de preocupação e que
possamos deixar as mulheres livres para fazerem suas próprias escolhas sobre o
seu corpo, seu cabelo, sua saúde, afinal, não se obriga alguém a fazer o que
não deseja e tampouco deveria ser permitido encurralar e envergonhar utilizando
as mesmas desculpas.
Apenas
reflitam e pensem duas vezes antes de tornar público sua preocupação com o que
quer que seja, a não ser que diga respeito a sua própria vida.
Ellen
Moraes Senra - psicóloga, palestrante, escritora e professora universitária.
Escreve livros para todas as faixas etárias, assim como também para o público
negro, sempre com a proposta de que o diálogo, o autoconhecimento e o autoamor
são as bases para a felicidade tanto consigo mesmo, quanto com as demais
relações a serem construídas na vida. Dentre suas obras estão “Autoamor:
um caminho para a autoestima e regulação emocional feminina”, “A psicologia e a
essência da negritude” e “Feiurinha Sabe tudo”. Também é colunista do Jornal
Empoderado e da Revista Statto. Saiba mais em @psicologaellensenra.
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