Aplicativo on-line monitora em tempo real a
tendência de aceleração ou desaceleração do crescimento da doença em mais de
200 países e territórios e ajuda a avaliar eficácia de políticas públicas que
visam conter a disseminação
Pesquisadores da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba desenvolveram um aplicativo que funciona
como um “acelerômetro da COVID-19”, ou seja, monitora em tempo real a tendência
de aceleração ou desaceleração do crescimento da doença em mais de 200 países e
territórios. Disponível gratuitamente on-line,
a ferramenta carrega os dados de casos notificados disponíveis na base do
Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC), com atualizações
diárias, e aplica técnicas de modelagem matemática para diagnosticar o estágio
atual da epidemia em um determinado local.
“Além de democratizar o acesso à
informação, para que todos possam entender o que exatamente está acontecendo em
sua cidade, estado ou país, o aplicativo possibilita aos gestores públicos
avaliar se uma determinada medida adotada para conter o contágio do novo
coronavírus está ou não surtindo efeito”, afirma à Agência FAPESP Yuri Tani Utsunomiya,
professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Faculdade de
Medicina Veterinária de Araçatuba (FMVA-Unesp) e primeiro autor do artigo que
descreve o desenvolvimento do modelo matemático, publicado na revista Frontiers in Medicine.
Para
explicar como evolui uma epidemia, Utsunomiya faz uma analogia com um
automóvel. Na fase inicial, a doença avança de forma lenta e o número de casos
diários aumenta pouco, assim como um carro andando sob o efeito da embreagem. A
velocidade de crescimento é chamada de incidência e é medida de acordo com o número
de novos casos por dia. Já a prevalência corresponde ao número de casos
acumulados ao longo do tempo, que seria o equivalente à distância percorrida
pelo automóvel imaginário.
“Quando o
pedal de aceleração é pressionado, o número de casos começa a crescer
rapidamente, assim como um carro acelerado adquirindo velocidade. Nesta segunda
fase da epidemia ocorre o crescimento exponencial do número de casos. O que
todos os países buscam é cessar essa aceleração e iniciar a frenagem da doença
e, vale dizer, são duas operações distintas. A primeira consiste em tirar o pé
do pedal de aceleração, para que esta caia a zero. Quando isso ocorre, o pico
de incidência é atingido. A segunda operação envolve exercer uma aceleração
negativa sobre a doença [pisar no freio] para que sua velocidade de crescimento
diminua até zero. Sem velocidade, o automóvel para. E é isso que queremos, que
a COVID-19 pare de ser disseminada”, explica.
O
acelerômetro da COVID-19 permite ver, em tempo real, se um determinado país
está com o pé no acelerador ou no freio – com algum grau de imprecisão nos
locais em que há muita subnotificação de casos. Porém, ressalta o pesquisador,
a transição entre os quatro estágios de crescimento da epidemia – lento
(verde), exponencial (rosa), desaceleração (amarelo) e estacionário (azul) –
pode ocorrer de forma alternada. Ou seja, mesmo após entrar em desaceleração ou
até em crescimento estacionário, a doença pode voltar para a fase exponencial
caso medidas de controle sejam abandonadas. Daí a importância de ferramentas
que ajudam no monitoramento constante.
“O que
notamos com a análise de mais de 200 países e territórios é que medidas de
controle eficazes produzem um efeito rápido na curva de aceleração, muito antes
da queda efetiva no número de casos diários. Esse comportamento da curva possui
alta relevância para a avaliação das políticas públicas de controle”, diz.
Curvas sinuosas
Tendo como
referências os casos notificados pelos órgãos oficiais de saúde, o aplicativo
monta as curvas de incidência – aquela que se deseja achatar para evitar o
colapso do sistema de saúde – e de aceleração do crescimento em tempo real,
além de detectar as transições entre os quatro estágios de crescimento da
epidemia. Para tornar isso possível, os pesquisadores usaram técnicas
matemáticas como a regressão móvel e o modelo oculto de Markov.
“Desenvolvemos um método simples, mas
bastante robusto, que consegue a partir de dados disponíveis em bancos
nacionais e internacionais gerar informação precisa sobre o avanço e o
movimento da epidemia. Mas esses cálculos são feitos a partir de dados que
dependem essencialmente de diagnóstico [testagem]”, pondera José Fernando Garcia,
professor da Unesp em Jaboticabal e coautor do artigo.
Embora a
subnotificação dos casos seja um fator limitante do modelo, podendo gerar
alguma distorção de escala, as curvas epidemiológicas geradas tendem a manter
contornos muito próximos do real, de acordo com os pesquisadores.
A má
notícia é que, ao analisar a curvas brasileiras atuais, observa-se que nenhum
estado conseguiu sair da fase de crescimento exponencial, mesmo com a
quarentena. A China, a título de comparação, alcançou a fase de crescimento
estacionário com apenas seis semanas de isolamento social bem-feito. Também já
conseguiram atingir a etapa de crescimento estacionário Austrália, Nova
Zelândia, Áustria e Coreia do Sul.
Já Itália,
Espanha e Alemanha encontram-se atualmente na fase de desaceleração do crescimento,
graças às medidas de confinamento adotadas.
Utsunomiya divide as políticas
públicas que visam conter a disseminação do coronavírus em duas categorias:
medidas de supressão (mais intensas e severas, desenhadas para causar rápida
reversão do crescimento epidêmico, como lockdown) ou de
mitigação (voltadas à redução do contágio, para que o crescimento ocorra de
forma controlada, como uso de máscaras e controle de aglomerações).
“No nosso estudo ficou muito claro
que medidas de supressão são extremamente efetivas no combate à COVID-19. No
entanto, têm sido criticadas por gerarem problemas de ordem social e profundo
efeito negativo na economia. Já medidas de mitigação causam menos impacto
socioeconômico, porém, são muito menos eficientes. É bastante difícil apontar
uma solução universal”, diz Utsunomiya, que foi bolsista de doutorado e
de mestrado da
FAPESP.
Segundo o
pesquisador, o Japão foi um dos únicos países que conseguiram desacelerar
o crescimento dos casos novos apenas com medidas de mitigação. “É necessária
muita cautela na comparação de estratégias adotadas por diferentes países, pois
fatores como infraestrutura de saúde, quantidade e frequência de testes,
densidade populacional e aderência da população às recomendações dos órgãos de
saúde podem ser determinantes para a viabilidade de medidas de mitigação”,
afirma.
O artigo Growth Rate and Acceleration Analysis of the COVID-19 Pandemic
Reveals the Effect of Public Health Measures in Real Time pode
ser lido em www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmed.2020.00247/full.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
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