Mesmo a turma que
vive dentro de uma bolha, no mundo da lua, com fones de ouvido e óculos de
realidade virtual concordará com a afirmação de que soltar bandido é um mau
exemplo. A impunidade faz mal. Gilmar Mendes acaba de mandar outro para casa.
Uhuh! A gangue do guardanapo respira ainda mais aliviada e já pode pensar em
novas put**ias, para usar a desavergonhada expressão com que o próprio
beneficiado pela medida se referiu a seus crimes. Mais adiante, a ação penal
enfrentará nosso prodigioso sistema recursal.
Há três anos, o Brasil
festejou a decisão do STF que autorizou a execução provisória das penas após
decisão em segunda instância. Na vida real de todo criminoso abonado, a regra
até então vigente funcionava como um habeas corpus de crachá. Sentença definitiva com trânsito em julgado era
sinônimo de “nunca”. Por isso, a
nação aplaudiu e reconheceu a importância social da decisão, enquanto as
manifestações contra o novo entendimento resumiram-se ao círculo dos advogados
criminalistas, bem como aos garantistas e desencarceramentistas (sim, isso
existe e está em atividade).
Não obstante, subsistem inconformidades
no STF. Há ministros que preferem a moda antiga, creem que coisas bem feitas
exigem vagar, demandando a quase pachorra de certos artesanatos. Doze horas
para um costelão bem assado, três anos para um pedido de vistas, no mínimo oito
para um uísque e duas décadas para um processo bem julgadinho. Suponho que,
nesse entendimento, a prescrição, arraste consigo a sabedoria do tempo. Eis por
que a caneta usada por alguns ministros para soltar presos parece não ter
tampa. É claro que a sociedade fica indignada com essa conduta. Afinal, ela é
outra face da mesma impunidade que viabilizou o cometimento de tantos e tão
danosos crimes ao longo dos últimos anos. Das esquinas aos palácios. Os
indultos, as progressões de regime e as atenções dadas a dengues e privilégios de
alguns fidalgos de elevada estirpe ampliam o mal-estar.
Eu ficaria até constrangido
de examinar a possibilidade de que o caso Lula possa influenciar as posições
dos ministros sobre a prisão após condenação em 2ª instância. Não farei isso.
Meu assunto, aqui, diz respeito às consequências sociais do retorno à regra da
impunidade. O país não suporta mais. A impunidade não é parteira, apenas, da
criminalidade. Ela estimula o retorno ao estado de natureza, a uma situação
hobbesiana. Se o comando do jogo fica com o crime, os indivíduos tomam as
rédeas em que possam deitar mão. As vaias cada vez mais assíduas nos aeroportos
e aeronaves nacionais são o preâmbulo de algo que não se pode tolerar, tanto
quanto não se deve tolerar a impunidade.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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