A Adoção monoparental, como o próprio nome sugere, ocorre quando uma única pessoa, solteira, divorciada ou viúva, adota uma criança ou um adolescente| Pexels |
Nos últimos anos, a Adoção feita por uma pessoa solteira, divorciada ou viúva tem se tornado mais comum e socialmente aceitável, mas é preciso entender corretamente o processo e os direitos legais envolvidos
Com o aumento de lares unifamiliares e a evolução, no
Brasil, do conceito de família, também é notório o crescimento de pessoas
solteiras, divorciadas ou viúvas adotando crianças e adolescentes, configuração
conhecida como adoção
monoparental. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é
lei válida para todos, independentemente da configuração familiar, do estado
civil, do gênero, da orientação sexual ou da classe social. “Os requisitos são exatamente os mesmos
para todas as situações. O adotante monoparental tem os mesmos direitos e
deveres que um adotante casado, incluindo o direito de criar e educar a
criança, bem como a responsabilidade de fornecer amor, educação, cuidados e
apoio material”, responde Jussara
Marra, presidente da Angaad
- Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção.
Sou solteiro. Posso adotar?
Jussara Marra, presidente da Angaad, afirma que os requisitos para casais ou pretendentes que decidem se habilitar sozinhos são os mesmos. A Adoção não discrimina sexo ou estado civil para pessoas acima de 18 anos, desde que o adotante tenha, pelo menos, dezesseis a mais que o adotando.
A construção afetiva de vínculos familiares tem o suporte de mais de 200 Grupos de Apoio à Adoção em todo Brasil. Os grupos de apoio, assim como toda a estrutura da Angaad, que completa 25 anos em 2024, podem ser úteis para pessoas sozinhas ou unidas de forma estável ou por casamento, que desejam considerar essa possibilidade. Seu objetivo é ser suporte durante todas as fases que envolvem a Adoção, desde a decisão, até depois de formadas as famílias, com a chegada de crianças ou adolescentes, que tiveram sua situação jurídica definida de forma a serem inseridos em famílias adotivas. “A preparação dos adultos que pretendem se tornar pais e mães por Adoção é crucial, o que também deve acontecer com crianças e adolescentes em acolhimento, seja ele institucional ou familiar”, analisa Jussara.
Ademais, os Grupos de Apoio à Adoção promovem a troca de experiências e oferecem orientação para aliviar as preocupações comuns dos pretendentes, pois antes do primeiro passo formal, a decisão de adotar deve ser amadurecida.
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a lei vale para todos, independentemente
do estado civil, configuração familiar, gênero, orientação sexual ou classe social
Pexels
Houve aumento da adoção
monoparental? É uma tendência?
“O
número de homens e mulheres solteiros que adotam é um reflexo do comportamento
da sociedade”, afirma Jussara. A pesquisa Estatísticas do
Registro Civil de 2022, do IBGE, mostra um aumento nos divórcios e uma queda
nos números de casamentos no Brasil. Em 2022, 970.041 casamentos foram
registrados, sendo 11.022 entre pessoas do mesmo sexo. O total representa uma
queda de 9,87% da média dos cinco anos anteriores à pandemia. A pesquisa também
descobriu que, em 2022, foram contabilizados 420.039 divórcios concedidos em 1ª
instância ou por escrituras extrajudiciais, configurando um aumento de 8,6% em
relação ao total contabilizado em 2021.
Essa mudança de comportamento reflete uma
elevação no número de Adoções realizadas por mulheres e homens sozinhos.
Segundo um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, 390
mulheres e 105 homens solteiros optaram pela Adoção – um aumento significativo
de 119,10% e 169,23%, respectivamente, em comparação com o período pré-pandemia
de Covid-19. Além disso, as Adoções por casais também registraram um aumento de
46,62%, no mesmo período, fechando o ano de 2023 com 4.501 adoções.
Para Sandra Sobral, mãe por Adoção e presidente
do Instituto Geração do Amanhã, a sociedade brasileira vem passando por
mudanças com o aumento de lares unifamiliares e com a evolução do conceito de
família. “O Sistema de Justiça
vem acompanhando essa tendência, uma vez que não há nenhum empecilho legal na
Adoção, seja por ser monoparental ou por configurações consideradas,
anteriormente, como fora do padrão”, conta.
A principal mudança está de acordo com um princípio basilar do ECA, ao entender que a Adoção atende o melhor interesse da criança e do adolescente, não o de quem deseja adotá-los. “Essa transformação de paradigma, focando no sistema de proteção integral da criança e do adolescente, trouxe uma nova ótica: há que se encontrar uma família que atenda às necessidades da criança e do adolescente, ao invés de um filho ou uma filha para atender o desejo de adultos que os querem. Uma diferença que pode parecer sutil na gramática, mas que tem enorme impacto no trabalho de toda a rede de proteção e até mesmo no perfil das Adoções atuais”, completa Sandra.
Além disso, é importante observar que a ampliação do conhecimento sobre a possibilidade de Adoção por pessoas solteiras é fundamental, já que por muito tempo perdurou a crença de que somente casais (e casais héteros) poderiam adotar. Outro ponto que chama atenção é que esses novos perfis de adotantes se mostram mais abertos a acolher crianças e adolescentes que, via de regra, não são a escolha primordial dos demais pretendentes. “O que vemos nas estatísticas, inclusive, é que a Adoção monoparental e a realizada por famílias homoafetivas se mostram mais receptivas a acolher crianças maiores, grupos de irmãos, inter-raciais e ou com alguma deficiência.” conta Sandra.
Como funciona o processo de Adoção?
A lei é igual para todos: idade acima de 18 anos, não ter
antecedentes criminais, apresentar uma diferença mínima de 16 anos em relação à
idade da criança ou adolescente adotado e gozar plenamente de suas faculdades
mentais” detalha Sandra Sobral.
A habilitação para Adoção é o primeiro passo
após a decisão. É procedimento que tramita no Fórum da Comarca em que os
pretendentes residem. Na maior parte das comarcas, não há necessidade de
contratar um advogado. O primeiro passo é o pré-cadastro, realizado pelos
próprios pretendentes no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e consiste
no fornecimento dos dados pessoais e no preenchimento de formulários
pré-estabelecidos. Feito isso, o candidato recebe um número de protocolo, com o
qual deve se dirigir ao Juizado da Infância e Juventude, ou à Vara Judicial que
desempenhe essa atividade na comarca, fazendo juntar os documentos listados no
sistema.
Os documentos necessários, segundo o site do
Conselho Nacional de Justiça, são:
1) Cópias
autenticadas da certidão de nascimento ou casamento, além de declaração
relativa ao período de união estável, se for o caso;
2) Cópias
da cédula de identidade e da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
3)
Comprovante de renda e de residência;
4)
Atestados de sanidade física e mental;
5) Certidão
negativa de distribuição cível;
6) Certidão de
antecedentes criminais.
Além desses documentos, que constam como obrigatórios no Estatuto da Criança e do Adolescente, durante o processo, a depender do caso concreto, podem ser exigidos complementos.
A habilitação é válida por três anos e é
requisito para entrar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Quando
da habilitação, os pretendentes escolhem as localidades das quais estão abertos
para receber contatos para a Adoção, sempre devendo ponderar sobre
possibilidades e os custos de deslocamento, não só para conhecer a criança ou o
adolescente, mas também para que se cumpra o período de aproximação, necessário
nos processos de Adoção.
Ainda na fase de habilitação, há a avaliação
técnica realizada por equipe interprofissional ou multidisciplinar do
Judiciário. É obrigatória também a preparação, a qual é exigida pela Lei, mas
sem definição, até o momento, de como deve se dar, fazendo com que seja
realizada de formas diferentes em cada localidade.
Superada a fase de habilitação, os pretendentes
à Adoção são efetivamente inseridos como habilitados na base de dados do SNA,
passando efetivamente à espera por uma criança ou um adolescente que se
enquadre nos parâmetros fornecidos no perfil pretendido, quando da
habilitação.
Apesar da ansiedade dos pretendentes em saberem
quanto esperarão pela chegada do filho, não há um tempo médio de espera para
que ocorra o "match" entre perfis de crianças/adolescentes e
pretendentes à Adoção, eis que muitos fatores estão envolvidos.
Havendo compatibilidade de perfil entre
pretendentes e crianças/adolescentes, é feito o contato com os postulantes
pelos profissionais do Judiciário. A partir de sua disponibilidade em
prosseguir com o processo, é realizado um primeiro encontro, com apoio e
auxílio de equipes técnicas, tanto do Judiciário quanto do Acolhimento, sempre
que possível, e dá-se início ao período de aproximação com visitas e interações
supervisionadas, fase essa que tem duração determinada individualmente, de
acordo com cada caso concreto.
Passa-se, após, à concessão de guarda
provisória para fins de Adoção, a qual garante aos adotantes direitos e deveres
equivalentes aos de pais.
Há limitações para a Adoção
monoparental?
Não existe qualquer diferenciação entre Adoções
de casais, sejam eles hetero ou homoafetivos, ou pessoas sozinhas, as quais
configuram Adoções monoparentais. “Desde
o início da preparação, habilitação e todo o processo de Adoção, as limitações
que eventualmente surjam são as mesmas que poderiam ser observadas por casais
ou em qualquer outra configuração familiar”, evidencia Jussara
Marra.
Houve muitos avanços nos últimos anos. Durante o processo de Adoção de seu filho, em 2012, Sandra Sobral percebeu que técnicos, Juízes e Promotores de Justiça no Brasil ainda não entendiam sobre os prazos, a Prioridade Absoluta e o respeito às convivências familiar e comunitária garantidos pelo ECA, que muitas vezes ainda não são respeitados na prática. De acordo com ela, poucos tinham uma compreensão profunda da lei e da importância do preparo dos técnicos, dos pretendentes e das crianças e adolescentes. “É essa ‘tríade’ que garante que as Adoções sejam humanizadas, ágeis, legais e que respeitem o tempo da criança e do adolescente”, avalia.
O processo é conduzido por indivíduos que fazem avaliações e tomam decisões de forma subjetiva e, apesar de não ter experimentado preconceito ao adotar seu filho, ela enfatiza que isso pode não ser verdade em todo o Brasil. “Em cidades pequenas e distantes dos grandes centros, é possível que ainda sejam vivenciadas discriminações em relação a certas questões. A preparação é, sem dúvida, o tema central sobre o qual todos devem se debruçar. Ela deve ocorrer para postulantes, passando por crianças, adolescentes ou outros familiares e chegando aos agentes do processo e da sociedade como um todo, pois o conhecimento eliminará valores errôneos para que se cumpra, de fato, o melhor interesse da criança e do adolescente”, conclui.
Angaad - A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção
www.angaad.org.br
e-mail: angaad@angaad.org.br
@angaad_adocao
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