Os gregos já falavam em contrato
social. O que os gregos pensavam sobre o assunto, contudo, não chegou com muita
relevância ao
tempo que vivemos. O domínio da “explicação” católica que imperou na Idade
Média abafou a cultura greco-romana. Só a partir do século XV (Modernidade) o
tema foi recuperado e recolocado em discussão.
A Idade Moderna, aliás, pôs tudo em
discussão. Nesse período que principia lá pelos anos 1500 como Renascimento
(não há unanimidade entre historiadores sobre o começo da Modernidade) e nos
alcança ocorreram eventos sociais, políticos e científicos que vêm, ainda que
lentamente, confrontando e abatendo as crenças medievais.
A Modernidade partejou o argumento
liberal em contraposição ao Absolutismo. O Liberalismo concebia a convivência
social e o próprio Estado como resultado de um contrato estabelecido entre
cidadãos que autonomamente saíam da vida em natureza (guerra permanente de
todos contra todos) e se organizavam em um coletivo governado.
Liberalismo, em definição atual, é “a
doutrina baseada na liberdade individual, nos campos econômico, político,
religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder
estatal” (Houaiss). Liberdade individual com governo pouco intrometido e que
representasse a vontade geral era a base doutrinária do contratualismo.
Três autores principais deram as bases
gerais da doutrina: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Rousseau passou à história como “bonzinho”,
ou de esquerda. Teria inspirado Karl Marx na sua propositura do estado
socialista. Hobbes é visto como “mau”, ou de direita, e teria dado munição para
as autocracias. Bem, não vejo bem assim. Ademais, os estados socialistas não
foram em nada menos autocráticos do que as diversas modalidades de ditadura que
o mundo (nós inclusive) conheceu ou conhece.
Pensar, hoje, em Estado como contrato é
simplificar a complexidade das organizações políticas. Não há acordo geral, mas
conflito permanente de interesses. Não existe uma vontade racionalista pondo
ordem nas coisas, mas há relações de poder, com demandas conflitantes, vencidos
e vencedores. Se alguém tem dúvida, basta olhar o Brasil, o lugar miserável dos
seus pobres, o luxo ostensivo dos seus ricos. Claro, há países mais
equilibrados, mas no geral das nações há excessiva vantagem de uma (pequena)
parte diante da outra (grande) parcela da população.
Agora, se um contrato geral é
improvável, a sensatez dos aproveitadores do sistema não deveria sê-lo. Para a
esperteza inescrupulosa que só extrai vantagem das relações sociais
brasileiras, os teóricos do contratualismo (Os Pensadores, Abril Cultural)
ainda têm o que dizer. Recomendaria Rousseau: “Cada um tem necessariamente de
se submeter às mesmas condições que impõe aos outros [...]. O pacto social
estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade que todos ficam obrigados às
mesmas condições e todos devem gozar dos mesmos direitos” (p. 40-41).
Locke, alicerce do pensamento liberal,
defende ideias equivalentes: No estado de natureza não há “qualquer
subordinação entre os homens que nos autorize a destruir a outrem, como se
fôssemos feitos para o uso uns dos outros como as ordens inferiores de
criaturas são para nós” (p. 36). Então, não se pode aceitar que uns tenham
privilégios sobre outros, “porque não é qualquer pacto que faz cessar o estado
de natureza entre os homens, mas apenas o de concordar, mutuamente e em
conjunto, em formar uma comunidade, fundando um corpo político” (p. 39).
Hobbes, muito citado mas pouco lido,
foi enfático ao postular igualdade: “Embora por vezes se encontre um homem
manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro,
mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e
outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com
base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar” (p.
75). Assim, “ninguém pretenda reservar para si qualquer direito que não aceite
seja também reservado para qualquer outro” (p. 92).
O povo brasileiro requereu em muitas insurgências esses termos da vida
em comum. Sempre prometidos, jamais foram entregues. Mais recentemente, a
Ditadura de 64 promulgou a Lei de Segurança Nacional para enquadrar quem
reivindicasse democracia; o governo petista criminalizou os movimentos de rua,
tipificando-os como agressão ao Estado. Bolsonaro propala ele mesmo a
violência. Vivemos em eterna tensão advinda da desigualdade que sempre
contornamos. Os contratualistas, entre nós, permanecem revolucionários, o que é
uma declaração de atraso.
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