Nos países de clima frio, em muitas residências, as
pessoas entram e deixam suas pesadas roupas em um estreito corredor que dá
acesso à sala. É o vestíbulo. Desde sempre é assim. Com o tempo, essa palavra
tornou-se também o sinônimo de um processo de seleção e também um ritual de
passagem entre o mundo da rua e o mundo do conhecimento acadêmico, a
Universidade. Estamos falando do vestibular.
É, de fato, uma interessante apropriação do termo.
Afinal, para os jovens, o ingresso na vida adulta é sempre uma mudança
importante e os rituais dessa passagem servem para marcar a memória desse
acontecimento. Principalmente porque não é fácil. O caminho é estreito.
Vale também lembrar que, no início das
universidades italianas, nos séculos XI -XII, os jovens que eram aceitos em
suas salas de aula tinham os cabelos raspados, por uma questão de higiene. Aí
vemos como há costumes que continuam a fazer sentido. E outros não.
E então, temos hoje os vestibulares. Para alguns
cursos, como a Medicina, por exemplo, a concorrência é altíssima e o desempenho
nas provas deve beirar a perfeição. E, para isso, há todo um preparo. Que pode
levar anos. O sonho de ingressar em uma universidade de qualidade é algo que
muitos pais alimentam para seus filhos desde os primeiros anos de
escolarização. E tentam prepara-los desde muito jovens para esse momento. A
lógica é simples; poucas vagas e muita procura leva à necessidade da seleção. E
seleção exige preparo.
Aliás, temos na palavra “seleção" outra
apropriação interessante. País do futebol que somos, sabemos que a
“Seleção" é só para os melhores. E quantos disputam as poucas vagas que um
time oferece para jogar uma Copa do Mundo? E vem o outro lado: estresse,
angústia, sofrimento e, muitas e muitas vezes, a desilusão. O que leva muita
gente a discutir se isso é realmente necessário. Por que provas tão longas e
extenuantes, em tempos tão exíguos, com tão poucas vagas?
Uma reflexão importante: selecionar é necessário.
Não seria se o número de vagas fosse igual ao de pretendentes. Imagine um time
de futebol com cinco mil jogadores! A pergunta, então, é: como fazer uma boa
seleção? Há muitas faces para essa questão. Para muitos, as provas são boas
porque condicionam, em um efeito cascata, o ensino Médio e o Fundamental.
Por outro lado, muitos educadores criticam essa
vinculação, afirmando que a Educação das crianças e jovens não pode estar
voltada para o vestibular, mas para a preparação para a vida. Ao longo dos
anos, porém, a inclusão da Redação, depois as provas discursivas, os temas
vinculados à cidadania, provocaram mudanças nos conteúdos, na formação dos
professores e no jeito de se relacionarem com os estudantes que os aproximou
bastante das importantes questões… da vida. Enfim, uma polêmica.
Penso que os vestibulares deveriam ser mais
ousados. E, para isso, os professores universitários deveriam voltar seus olhos
para o Ensino Médio, conhecer melhor esses jovens, e projetar avaliações para
mobiliza-los em relação aos valores que a Universidade quer ver expressos
neles. Provas que exijam conhecimentos sociais, artísticos, históricos, por
exemplo. Mas também o grau de contato com os avanços das ciências. E tudo isso
permeado pela língua, por meio da qual esses outros conhecimentos se expressam.
Ler e escrever.
Compreender e interpretar. Argumentar e propor, com fundamentos
e criatividade. Quem não gostaria de um jovem com essas qualidades? E então por
que não selecioná-los com base nesses parâmetros?
Mas há outras experiências que as Universidades
poderiam estimular. Envolvimento comunitário, trabalho voluntário, propostas
sociais locais, participação nas discussões do planejamento da cidade,
entrevistas individuais e em grupo. Ou seja, selecionar um jovem que pensa e
que age.
Entrar na Universidade não é um fim. É uma escolha.
As escolas devem, realmente, preparar para a vida. Mas para os que querem
colocar nas suas vidas essa escolha, os vestibulares devem estar à altura desse
ritual de passagem. Como na época que sonhávamos trocar os shorts pelas calças
compridas, a lancheira pelo dinheiro para comprar na cantina, a carona com a
mãe acenando na porta pela passagem do ônibus. Como sentar na mesa dos adultos.
Quem já viveu tudo isso, entenderá.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de
História do Brasil no Curso Positivo.
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