Segundo dados
da Receita Federal, êxodo brasileiro para o exterior cresceu 67% entre 2011 e
2015
Falta de
informação cultural atrapalha consideravelmente o processo de adaptação, que já
é naturalmente desafiador
Muito se fala sobre
as crises econômica e política no Brasil e do êxodo brasileiro para o exterior
nos últimos anos, que segundo dados da Receita Federal, foi 67% maior entre
2011 e 2015. O número é baseado no total de Declarações de Saída Definitiva do
País, o documento apresentado ao Fisco por quem emigra. Junto com a experiência
profissional e o diploma, muitos levam na mala até emprego garantido, a família
e sonhos de uma vida melhor. Mas ninguém menciona a importância de se preparar
para tal empreitada.
O aprendizado de um novo idioma, a
dificuldade de socialização e o preconceito contra estrangeiros são as três
maiores barreiras culturais enfrentadas por brasileiros na Suíça, por exemplo.
Essas são as conclusões da dissertação da jornalista Liliana Tinoco Bäckert,
que concluiu mestrado em comunicação intercultural pela Universidade de Lugano
(cidade na Suíça italiana), em dezembro de 2016. O estudo investiga ferramenta
para melhorar a vida de estrangeiros e confirma a importância do
desenvolvimento da sensibilidade intercultural, que é uma habilidade que pode
ser treinada e permite que cidadãos consigam conviver mais facilmente com os
diferentes.
A jornalista, que também é brasileira e
vive na Suíça há 11 anos, entrevistou dez brasileiras residentes no país e três
interculturalistas. O objetivo foi investigar as maiores dificuldades culturais
enfrentadas por essas imigrantes e como o treinamento pode melhor assessorar
essas expatriadas e suas famílias.
Língua alemã - Um ponto interessante é que a
dificuldade com a língua foi mencionada não somente na pergunta relativa a esse
assunto, mas em vários outros pontos do questionário. Por exemplo, se
perguntadas sobre a possibilidade de irem para outro país, algumas chegavam a
dizer que iriam para qualquer outro lugar onde não se falasse alemão. Algumas
disseram que são traumatizadas pelo idioma. Quando questionada sobre como se
sentia na Suíça, uma das entrevistadas disse que muito bem, exceto pelo alemão.
Dessa maneira, a língua alemã, que não era necessariamente a primeira na lista
das dificuldades, ganhou a liderença nas reclamações. Na compilação das
respostas das dez entrevistas, foi mencionada 22 vezes pelas entrevistadas.
Outro ponto interessante nas dificuldades
é o fato de que as mulheres não logram romper a barreira da amizade com os suíços (por isso a
reclamação quanto à reserva) e que por isso não conseguem melhor o alemão.
Dessa maneira, a falta de contato com os locais não ajuda a melhorar a
proficiência da língua. E ao mesmo tempo elas não procuram os locais porque não
falam bem o idioma e não sentem um retorno por parte deles. Ou seja, é um
círculo vicioso.
Dessa maneira, elas se sentem isoladas, o
que gera, além de maior dificuldade com o idioma, aumento da sensação de
preconceito contra elas e sentimento de xenofobia. Voltando à questão da
língua, vale ressaltar que esse sentimento em relação à receptividade acaba
realmente influenciando no aprendizado. De acordo com a linguista Cristina
Schumacher, entrevistada para a dissertação, muitos brasileiros percebem quem
fala alemão como grosseiro, mas na verdade, isso é somente uma outra forma de
se expressar e de olhar o mundo. A língua não determina, mas conduz a um
determinado ponto de vista. Ela tem um papel de manter um jeito de se
relacionar com a realidade. Essa subjetividade, no entanto, é uma zona obscura,
difícil de se alcançar. Por isso gera sofrimento. Portanto, esses fatores,
todos juntos, se retro alimentam.
O treinamento intercultural e o coach,
entretanto, surgem como uma importante ferramenta de adaptação em um novo ambiente
cultural, respondendo à segunda pergunta da dissertação: como treinamento
intercultural pode ajudar essas brasileiras a enfrentar o processo de
imigração?
De acordo com as profissionais,
treinamento intercultural é sempre bom e válido, mas deve ser seguido de
sessões de coach. A primeira etapa da capacitação deve funcionar como a
entrada, mas as brasileiras ou qualquer outra estrangeira que saia de sua terra
deveria ser acompanhada por um profissional especializado em
interculturalidade, que a guiasse durante um tempo.
Falta de acesso à informação como
bloqueio - No
estudo, muitas brasileiras reclamam que não tiveram acesso à informação sobre a
Suíça. Quando havia algum texto na internet, era em inglês ou em alemão. Muitas
inclusive disseram que vieram sem saber quase nada sobre o país. Dessa forma,
são inúmeras as frustrações devido à uma expectativa errônea em relação à nova
condição. De acordo com uma das treinadoras entrevistadas, existe um
fator Heidiland (que significa idealizar o paraíso e se
deparar com uma realidade muito diferente). Está atrelado à criação de maior
frustração entre estrangeiros e dificuldade no processo de adaptação e
integração.
A autora do estudo diz que é preocupante
confirmar que a maioria desssas mulheres saiam do Brasil, principalmente pelo
matrimônio, sem a mínima noção de que diferenças de comportamento devido à
cultura existam. “Elas vêm com uma imagem de que serão princesas para o resto
de suas vidas, mas não têm idéia dos desafios que irão enfrentar sem estarem preparadas”,
explica.
O desenvolvimento da sensibilidade
intercultural é chave no nosso mundo de hoje, onde as pessoas viajam, vão morar
fora do país a trabalho e o número de casamentos bi nacionais cresce. No caso
da Suíça, país no qual o índice de estrangeiros passa dos 25%, essa habilidade
se torna ainda mais importante”, explica Um outro fator que deve ser
considerado é que, nos casos das brasileiras, o treinamento intercultural
torna-se indispensável devido às características do país: de dimensões continentais,
a maioria da população é monoglota e ainda vive com a ilusão de que convive
muito bem com a diversidade. O que é um mito da sociedade brasileira.
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