As
relações trabalhistas possuem dinâmica própria que, ao mesmo tempo em que se
adaptam às necessidades do mercado, criam oportunidades de novos empregos e
novas situações de qualificação profissional. A legislação aplicável nem sempre
está adequada às transformações dos modelos de prestação de serviços e de
trabalho que, em razão da evolução dos meios de comunicação e de apropriação do
trabalho, adotam na atualidade diferentes matizes. Desde a origem da proteção
trabalhista os fatos sempre impulsionaram a legislação para atender situações
novas ou para acomodação de interesses de acordo com o trabalho a ser prestado.
Uma das expressões utilizadas para adaptação da legislação é a flexibilização
dos direitos. Desde sempre a flexibilização da legislação trabalhista nas
relações de trabalho encontrou resistência por parte dos Tribunais Trabalhistas
que formaram uma jurisprudência de blindagem na proteção, primeiro na relação
individual e, depois, na relação coletiva de trabalho, restringindo a autonomia
individual da manifestação da vontade e a autonomia privada da manifestação
coletiva. A questão que se coloca é de saber até que ponto a Reforma
Trabalhista teria avançado na transformação desse paradigma.
O
tratamento dispensado pela legislação consolidada para a proteção de direitos
dos trabalhadores submetidos à condição de empregado é a dos artigos 9º, 444 e
468 da CLT, e que exprimem uma liberdade contratual contida sob pena de
nulidade, elevada que está a legislação trabalhista e a proteção do trabalho ao
nível de interesse e ordem públicos.
Do
ponto de vista da ordem estabelecida pela CLT, nós temos no Capítulo de
Introdução, do art. 1º ao 12, as normas de caráter geral e, dentre elas,
o citado artigo 9º, dispondo sobre a nulidade dos atos praticados com o
objetivo de fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação das normas celetistas.
Trata-se de norma de caráter geral que se sobrepõe a todo ordenamento jurídico
trabalhista.
Depois,
no artigo 444, o legislador atribuiu às partes a plena liberdade de estipulação
do contrato, com restrição a que não sejam estabelecidas contrariamente aos
direitos garantidos tanto pelas normas trabalhistas como aquelas que forem
ajustadas por meio de negociações coletivas em convenções ou acordos coletivos.
Na
relação individual, o artigo 468 da CLT, pela imposição à intangibilidade do
contrato de trabalho e a capacidade relativa do empregado quanto à manifestação
da vontade, serviu para os empregadores como a espada de Dâmocles sempre que se
tratasse de alteração contratual com respaldo no artigo 9º do Estatuto Obreiro
imputando de nulo todos os atos praticados e que tenham efeito no
descumprimento das normas de proteção previstas na CLT.
E
o que virá com a Reforma Trabalhista?
A Lei nº 13.467/17 manteve os três pilares da proteção
das garantias mínimas nas relações de trabalho,
com algumas considerações que levam às garantias contratuais a possibilidade de
se transformarem e, por conseguinte, de sofrerem alterações, cabendo ao
intérprete a busca da separação entre o contrato e a garantia da lei em sentido
estrito.
Assim,
a regra do artigo 8º da CLT recebeu parágrafos essenciais para a alteração na
intepretação prevista no caput: (i) restringe o direito comum como fonte
subsidiária do direito do trabalho, excluindo a incompatibilidade com os seus
princípios fundamentais; (ii) fixa parâmetros para a jurisprudência do TST e
TRT’s; e, (iii) impõe a observância do disposto pelo artigo 104 do Código
Civil, privilegiando a autonomia da vontade coletiva.
No
artigo 444 a Lei da Reforma manteve o caput e esclarece a capacidade de
negociação individual com eficácia plena nas hipóteses previstas no art. 611-A,
para os empregados portadores de diploma de nível superior
e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite
máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Abandona-se
desta forma o critério generalizado da hipossuficiência trabalhista. A essência
desta disposição não pode ser a eliminação de direitos garantidos, mas de
permitir a flexibilização e adequação das condições contratuais segundo os
interesses das partes contratantes.
No
âmbito coletivo a Lei nº 13.467/17 traz nova redação ao artigo 620, dispondo
que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre
prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”. Trata-se
de um avanço para que as negociações nos locais de trabalho sejam incentivadas
e adaptadas aos interesses no ambiente de trabalho com a garantia de que não se
aplicará o critério da condição mais benéfica quando o assunto se referir a
norma coletiva, porquanto haverá motivos para que seja observada a teoria do
conglobamento e sua aplicação será inconteste.
No
campo das normas que cuidam dos intervalos para repouso ou alimentação
constatou-se a criação de jurisprudência incompatível com a representação
sindical e desprezo da autonomia privada coletiva. Assim, foram rejeitadas as
negociações coletivas sobre intervalos e jornadas de trabalho, empobrecendo a
participação sindical, conforme Súmula 85, do TST. Deverão ser privilegiadas as
negociações diretas entre empregado e empregador que poderão convencionar
intervalos mais consentâneos com o tipo e local de trabalho. E o mais
importante, sem a perseguição do Ministério do Trabalho e Emprego.
Bem
se vê que a nova lei que entrará em vigor em 11 de novembro de 2017 está longe
de suprimir direitos trabalhistas. Ao contrário, cria mais chances de
adaptações aos contratos de trabalho de modo a permitir que o ambiente de
trabalho goze de equilíbrio sem surpresas e contingências trabalhistas.
Paulo Sergio João -
advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e FGV.
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