O desperdício de alimentos continua a prejudicar a economia global
e a fomentar as mudanças climáticas, a perda da natureza e a poluição, de
acordo com o estudo do PNUMA que contou com o apoio da Embrapa Alimentos e
Territórios
Domicílios de todos os continentes desperdiçaram mais de 1 bilhão de
refeições por dia em 2022, enquanto 783 milhões de pessoas foram afetadas pela
fome e um terço da humanidade enfrentou insegurança alimentar. O desperdício de
alimentos continua a prejudicar a economia global e a fomentar as mudanças
climáticas, a perda da natureza e a poluição. Estas são as principais
conclusões de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente
(PNUMA), coordenado pela WRAP, publicado hoje (27), durante evento do Dia Internacional do Resíduo Zero. A
Embrapa Alimentos e Territórios (Maceió - AL) colaborou na revisão do novo
levantamento global sobre desperdício de alimentos nas etapas de varejo e
consumo.
O Índice de Desperdício de Alimentos estima
em 94 kg per capita, ao ano, o desperdício de alimentos na etapa de consumo
familiar no Brasil. A estimativa leva em conta apenas o consumo doméstico de
alimentos e é resultante de um estudo piloto realizado, em 2023, em cinco
regiões distintas da cidade do Rio de Janeiro. Este estudo realizou análises de
resíduos orgânicos, por meio de gravimetria, em regiões do Rio com diferentes
perfis socioeconômicos.
"Embora seja um estudo restrito ao Rio de Janeiro (RJ), os
dados mostram que o desperdício ocorre mesmo em bairros de classe média baixa.
Os fatores que levam ao desperdício precisam ser explorados em pesquisas
qualitativas. É importante destacar que o montante de 94 kg por pessoa ao ano
leva em conta tanto sobras de refeições, tais como arroz e feijão, quanto cascas
de frutas e ossos. A metodologia do PNUMA não categoriza o desperdício em
evitável e inevitável, por que consideram relevante reduzir o descarte de
resíduos orgânicos como um todo", comenta Gustavo Porpino, pesquisador da
Embrapa Alimentos e Territórios que atuou como revisor do Índice.
Em 2022, foram gerados 1,05 bilhão de toneladas de resíduos
alimentares (incluindo partes não comestíveis), totalizando
132 quilos per capita e quase um quinto de todos os alimentos disponíveis para
os consumidores. Do total de alimentos desperdiçados em 2022, 60% aconteceram
no âmbito doméstico, com os serviços de alimentação responsáveis por 28% e o
varejo por 12%.
"O desperdício de alimentos é uma tragédia global. Milhões
de pessoas passarão fome hoje, enquanto alimentos são desperdiçados em todo o
mundo", salienta Inger Andersen, diretora-executiva do PNUMA. "Além
de ser uma questão importante de desenvolvimento, os impactos desse desperdício
desnecessário estão causando custos substanciais para o clima e a natureza. A
boa notícia é que sabemos que, se os países priorizarem essa questão, eles
poderão reverter significativamente a perda e o desperdício de alimentos, reduzir
os impactos climáticos e as perdas econômicas e acelerar o progresso das metas
globais.
Desde 2021, houve um fortalecimento da infraestrutura de dados
com um número maior de estudos rastreando o desperdício de alimentos.
Globalmente, o número de dados em nível domiciliar quase dobrou. No entanto,
muitos países de baixa e média renda continuam a carecer de sistemas adequados
para acompanhar os avanços no cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12.3 de reduzir
pela metade o desperdício de alimentos até 2030, particularmente no varejo e
serviços de alimentação.
Apenas quatro países do G20 (Austrália, Japão, Reino Unido, EUA)
e a União Europeia têm estimativas de desperdício alimentar adequadas para
acompanhar os progressos até 2030. Canadá e Arábia Saudita têm estimativas
adequadas no nível de domicílios, enquanto no Brasil estão em andamento
atividades para desenvolver uma linha de base robusta até o final de 2024.
Neste contexto, o relatório serve como um guia prático para os países medirem e
comunicarem consistentemente o desperdício alimentar.
Os dados confirmam que o desperdício de alimentos não é apenas
um problema de "país rico", com os níveis de desperdício de alimentos
domésticos diferindo nos níveis médios observados para países de renda alta,
média-alta e média-baixa em apenas 7 kg per capita. Ao mesmo tempo, os países
mais quentes parecem gerar mais desperdício de alimentos per capita nos
domicílios, potencialmente devido ao maior consumo de alimentos frescos com
partes substanciais não comestíveis e à falta de cadeias de refrigeração
adequadas.
De acordo com levantamentos recentes, a perda e o desperdício de
alimentos geraram de 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa
(GEE) – quase 5 vezes mais do que o setor de aviação – e uma perda
significativa de biodiversidade ao ocupar o equivalente a quase um terço das
terras agrícolas do mundo. Segundo o Banco Mundial, o custo da perda e do
desperdício de alimentos na economia global é estimado em cerca de US$ 1 trilhão.
A expectativa é que os esforços para fortalecer a redução do
desperdício de alimentos e a circularidade beneficiem especialmente as áreas
urbanas. As áreas rurais geralmente têm menor desperdício, com maior
direcionamento de restos de alimentos para animais de estimação, animais de
criação e compostagem doméstica como explicações mais prováveis.
Segundo o PNUMA, em 2022, apenas 21 países incluíram a perda
e/ou redução do desperdício de alimentos em seus planos climáticos nacionais
(NDCs). O processo de revisão das NDCs de 2025 oferece uma oportunidade
fundamental para aumentar a ambição climática, integrando a perda e o
desperdício de alimentos. O relatório sublinha igualmente a urgência de abordar
o desperdício alimentar, tanto a nível individual como sistêmico.
Linhas de base robustas e medições regulares são necessárias
para que os países mostrem mudanças ao longo do tempo. Graças à implementação
de políticas e parcerias, países como Japão e Reino Unido mostram que a mudança
em escala é possível, com reduções de 31% e 18%, respectivamente.
"Com o enorme custo para o meio ambiente, a sociedade e as
economias globais causado pelo desperdício de alimentos, precisamos de uma ação
coordenada maior em todos os continentes e cadeias de suprimentos. Apoiamos o
PNUMA ao pedir que mais países do G20 meçam o desperdício de alimentos e trabalhem
em direção ao ODS 12.3", comenta Harriet Lamb, CEO da WRAP.
"Isso é fundamental para garantir que os alimentos
alimentem as pessoas, não os aterros sanitários. As Parcerias Público-Privadas
são uma ferramenta fundamental para a obtenção de resultados, mas requerem
apoio: sejam filantrópicas, empresariais ou governamentais, os atores devem se
unir em torno de programas que abordem o enorme impacto que o desperdício de
alimentos tem na segurança alimentar, em nosso clima e em nossas
carteiras".
O PNUMA continua acompanhando o progresso em nível nacional para
reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2030, com um foco crescente
em soluções além da medição para a redução. Uma dessas soluções é a ação
sistêmica por meio de parcerias público-privadas (PPPs): fomentar cooperações
entre governos, setor privado e o terceiro setor para identificar
gargalos, desenvolver soluções e impulsionar o progresso. O
financiamento adequado pode permitir que as PPP proporcionem reduções do
desperdício alimentar da produção agrícola à mesa, reduzam as emissões de gases com efeito de
estufa e o estresse hídrico, partilhando simultaneamente as melhores práticas e
incentivando a inovação para uma mudança holística a longo prazo. As PPP sobre
perda e desperdício de alimentos estão crescendo em todo o mundo, incluindo
Austrália, Indonésia, México, África do Sul e no Reino Unido, onde ajudaram a
reduzir mais de um quarto do desperdício domiciliar de alimentos per capita em
2007-18.
Perspectiva
brasileira
Se levado em conta apenas partes usualmente comestíveis dos
alimentos, o desperdício anual per capita, com base no estudo piloto no Rio de
Janeiro, é de 29 kg. Deste montante, 21% são formados por produtos de
panificação (11%) e frutas e hortaliças (10%). "A metodologia para
quantificação do desperdício em famílias do Rio foi bastante robusta, por que
analisa todos os resíduos gerados pelos domicílios, mas caso a família tenha o
hábito de compostar sobras das refeições ou destinar para animais de estimação,
esta parcela dos alimentos não consumida por pessoas não é captada pelo
estudo", analisa Porpino.
"Evitar
o desperdício de alimentos nas famílias brasileiras requer implementar ações
desde a produção, por que as hortaliças que estragam rápido na geladeira, por
exemplo, por vezes são descartadas em função do manejo inadequado de pragas,
deficiências no manuseio pós-colheita ou uso de embalagens inapropriadas para
armazenagem e transporte", comenta Porpino. "Por fim, a educação
nutricional é essencial para mudar hábitos de consumo enraizados na cultura
brasileira que ainda valoriza muito a fartura na mesa", complementa.
Para o
especialista da Embrapa, nas etapas finais da cadeia produtiva de alimentos, o
Brasil pode incrementar a quantificação e a implementação de soluções para
melhorar a gestão dos resíduos orgânicos, por exemplo, em centrais de
abastecimento (Ceasas), feiras livres e supermercados. Em recente estudo da
Embrapa em parceria com a Abreme, por meio dos Diálogos União Europeia –
Brasil, quantificou-se o desperdício em feiras livres de Curitiba, Recife e Rio
Branco (https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1156846/cidade-e-alimentacao-relatorio-de-pesquisa-dialogo-uniao-europeia---brasil-sobre-sistemas-alimentares-urbanos-sustentaveis).
O tomate foi o alimento mais descartadao nas feiras livres analisadas.
"As soluções podem envolver implementação de programas de
colheita urbana para que alimentos seguros sejam destinados, por exemplo, a
bancos de alimentos, e incremento da compostagem para os resíduos orgânicos não
comestíveis. Os resíduos das feiras livres, por exemplo, podem virar adubo para
hortas urbanas e escolares", destaca Porpino.
Com
informações da assessoria de comunicação do PNUMA