Pesquisadores da Unesp e da Unicamp revelam
que, nos homens, a atividade de um gene conhecido como TRIB3 diminui nas
células do pulmão com o envelhecimento. Compostos capazes de reverter o
processo poderão ser testados contra o novo coronavírus (Célula apoptótica
(verde) fortemente infectada com partículas do vírus SARS-COV-2 (roxa),
isoladas de uma amostra de paciente. Imagem NIAID Integrated Research Facility
(IRF) em Fort Detrick, Maryland/Wikimedia Commons)
No Brasil, assim como nos demais países do mundo, os casos mais graves
de COVID-19 têm sido registrados principalmente entre os homens com mais de 60
anos. Em um estudo apoiado pela FAPESP,
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu descobriram
que justamente nesse grupo de pacientes a expressão de um gene chamado TRIB3
está diminuída nas células epiteliais do pulmão – alvos preferenciais do novo
coronavírus (SARS-CoV-2).
Em artigo publicado na plataforma
bioRixv, em versão pré-print (ainda sem revisão por pares), o grupo
coordenado pelo professor do Instituto de Biociências (IBB-Unesp) Robson Carvalho
apresenta dados de estudos anteriores que indicam o potencial da proteína
TRIB3, codificada pelo gene de mesmo nome, de inibir a infecção e a
replicação de vírus semelhantes ao SARS-CoV-2. Portanto, diz o texto,
“medicamentos que estimulam a expressão de TRIB3 devem ser avaliados
como potencial tratamento para COVID-19”.
“Há uma droga com esse mecanismo de ação sendo testada contra câncer de
endométrio por uma farmacêutica espanhola. Estamos estabelecendo parcerias para
novos estudos com o objetivo de testar in vitro o efeito de compostos
que estimulem a expressão de TRIB3 em células infectadas pelo novo
coronavírus”, conta Carvalho à Agência FAPESP.
Interação proteica
Inicialmente interessados em descobrir por que a prevalência de câncer
de pulmão é maior em idosos, os pesquisadores da Unesp investigavam como a
expressão gênica no órgão se altera à medida que as pessoas envelhecem. Para
isso, analisavam por métodos de bioinformática dados de transcriptoma (conjunto
de moléculas de RNA expressas em um determinado tecido) disponíveis no
repositório do projeto Genotype-Tissue Expression (GTEx),
financiado pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos. Esse
banco de dados público reúne dados moleculares de mais de 17 mil amostras de 54
tecidos diferentes, entre eles o pulmão.
“Começamos com dados de 427 indivíduos. As amostras foram estratificadas
de acordo com a faixa etária: comparamos o grupo de 20 a 29 anos com o de 30 a
39, depois com o de 40 a 49 e assim por diante, até 79 anos”, explica Carvalho.
Nessa primeira análise, entre outras alterações, os pesquisadores
notaram que a expressão do gene TRIB3 diminui progressivamente durante o
envelhecimento.
Segundo Carvalho, dados da literatura científica sugerem que a menor
produção dessa proteína pode favorecer a infecção e a replicação de alguns
tipos de vírus, entre eles o causador da hepatite C (HCV). Sabe-se ainda que a
molécula integra duas vias de sinalização celular – uma chamada UPR (sigla em
inglês para resposta a proteínas não enoveladas) e outra conhecida como via de
autofagia – que são importantes para o ciclo biológico de vários coronavírus.
O grupo teve então a ideia de cruzar esse achado relacionado ao
envelhecimento pulmonar com o conteúdo de outro banco de dados denominado P-HIPSTer
(sigla em inglês para predição de interações moleculares patógeno-hospedeiro
por similaridade de estrutura), cujo algoritmo explora informações baseadas em
sequências e estruturas moleculares para inferir a probabilidade de interações
entre vírus e proteínas humanas. Esse Human–virus interactome atlas mapeia
possíveis redes de interação entre proteínas humanas e proteínas de diversos
vírus, possibilitando a identificação de potenciais alvos terapêuticos.
“Embora esse atlas não tenha a rede de interação entre as proteínas
humanas e as do novo coronavírus, há dados referentes ao SARS-CoV, patógeno da
mesma família que causou o surto de síndrome respiratória aguda grave em 2002.
É o vírus mais intimamente relacionado ao SARS-CoV-2”, diz Carvalho.
“Observamos que a TRIB3 apresenta alta probabilidade de interagir com a
proteína do nucleocapsídeo do SARS-CoV. E, quando se compara o SARS-CoV e o
SARS-CoV-2, observa-se 94% de similaridade entre as sequências dessas
proteínas”, conta.
O passo seguinte foi voltar ao banco de dados do projeto GTEx e repetir
a análise de expressão de TRIB3 em um número maior de amostras de pulmão
– agora avaliando separadamente homens e mulheres.
“Curiosamente, não observamos nas mulheres uma mudança na expressão de TRIB3
ao longo dos anos, o que talvez ajude a explicar por que os homens idosos são
os mais propensos a desenvolver pneumonia e insuficiência respiratória quando
infectados pelo novo coronavírus”, afirma Carvalho.
Célula-alvo
Com o objetivo de descobrir quais células do tecido pulmonar expressam o
gene TRIB3, o grupo recorreu a dois conjuntos de dados públicos
disponíveis nos bancos Single Cell Portal e UCSC Cell Browser. Esses repositórios possuem
dados de sequenciamento de RNA de célula única (do inglês, single-cell
RNA-Seq). Com esse tipo de análise, é possível obter o transcriptoma de cada
uma das células que compõem um tecido, em vez de olhar o tecido como um todo.
“Observamos que a TRIB3 está expressa principalmente nas
células epiteliais dos alvéolos pulmonares, as mesmas que expressam ACE-2
[sigla em inglês para enzima conversora de angiotensina 2], proteína à qual os
coronavírus se conectam para invadir as células humanas. Isso reforça a
hipótese de que a TRIB3 regula negativamente a infecção pelo SARS-CoV-2, ou
seja, protege a célula da infecção”, diz o pesquisador.
Como explica o biólogo Diogo de Moraes,
primeiro autor do artigo, essas mesmas células epiteliais são responsáveis pela
produção de surfactante, um composto que evita o colabamento dos pulmões.
“Também identificamos uma diminuição na expressão de genes que envolvem
o metabolismo de surfactante no pulmão de idosos. Outros estudos mostraram que
a deficiência de surfactantes aumenta a vulnerabilidade para outras infecções
virais e, nas últimas semanas, alguns pesquisadores discutiram sobre a
reposição desses compostos no tratamento da COVID-19”, afirma.
A esquipe da Unesp também contou com a participação de Brunno Paiva,
Sarah Santiloni Cury e João Pessoa Araújo Jr. Colaborou ainda o pesquisador da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcelo Mori, que
recentemente teve um auxílio aprovado na chamada “Suplementos
de Rápida Implementação contra COVID-19” para investigar como o
envelhecimento contribui para a infecção pelo SARS-CoV-2.
O artigo Prediction of SARS-CoV interaction with host proteins during
lung aging reveals a potential role for TRIB3 in COVID-19. pode ser lido em
https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.07.030767v1.
Karina Toledo
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/estudo-identifica-alvo-potencial-para-o-tratamento-de-covid-19/32946/
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