O
Brasil já poderia figurar, de modo seguro, como o mais desenvolvido e
socialmente justo da América Latina. Não é uma coisa nem outra. O contraste
social entre os brasileiros está na rabeira do mundo. Basta lembrar que os mais
ricos, menos ricos que os ricos de grande parte do mundo, são 1% da população;
conservadores, patrimonialistas, avessos a políticas sociais e ao hábito da
solidariedade. Têm razão atletas e dirigentes patrocinados pela iniciativa
privada, que financiou 50% dos equipamentos das Olimpíadas, ao manifestar
fundado temor de que, "a posteriori", ficarão ao Deus dará. É a compensação.
Aqui, a prática filantrópica exige compensação, o que não é filantropia.
Lembre-se
do banqueiro que resolveu alocar dinheiro para manutenção e modernização da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em troca de nomear uma de suas
célebres salas com seu nome, como se fosse Fagundes Varella, Joaquim Nabuco,
Rui Barbosa ou Brás Arruda. Os estudantes, com justiça, o repeliram. A
Universidade de Harvard, nos EUA, vive preponderantemente de filantropia,
sobretudo de seus ex-alunos, é a melhor do mundo e não se exige nada em troca.
É possível uma homenagem, como já ocorreu, não, porém, sob condição do
doador. E salta-se para um conceito ainda mais avançado, o do direito
compartilhado, superior à filantropia por se tornar um direito costumeiro
("mores"), situado no centro e não na periferia das empresas que se
valeram dos conhecimentos acadêmicos.
No
campo político, o povo sente o sabor amargo do desastre total. De uma colônia e
um Império sem autodeterminação e criatividade; já na segunda república, que se
seguiu à dos coronéis do mato, começou a demagogia desbragada, junto a
colisões, revoluções e conflitos entre os brasileiros. A demagogia brasileira
não se descolou jamais da megalomania do discurso nacional.
Com a
revolução de 1930, chegaríamos à industrialização plena, deixaríamos de ser um
país exportador de matérias primas e adquirente de bens agregados e produtos
acabados, não dependeríamos mais das commodities. O resultado está aí. Só não
estamos atados ao fundo do buraco graças ao agronegócio. E por aí se equilibra
nosso balanço de pagamentos.
A vida
individual e a vida das nações somente são compreendidas se não as vermos por
pedaços, mas pelo exercício de seu fio condutor, que lhes dão unidade
histórica, o todo coerente e interligado entre seus eventos. Alguma compreensão
do que é, de seu significado, para o adulto, depende da constatação quanto a
ter realizado, ou não, seus bons anseios de criança e de seus sonhos de
juventude. O universo seria um mistério absoluto se a física atual não
dominasse algumas de suas características complexas, conexas e ordenadas e
ordenadas em seu conjunto, desde o Big Bang, os bósons de Higs, as ondas de
energia que compõem, inclusive a gravidade, sem a qual não se poderia cogitar
de mundo e de vida biológica.
E o que
vemos, na moldura geral da história brasileira, é a mania de grandeza, que
fizeram impregnar em todos os cérebros, e a pequenez dos segmentos mais pobres
do mundo, que se manifesta a seu modo em cada região. O desenvolvimento é algo
completamente utópico quando a riqueza da nação está concentrada num número
mínimo de cidadãos e a miséria espalhada por grotões remotos e próximos, muitos
deles lindeiros de ambientes que se ombreiam com os mais requintados do mundo.
Esse estado
de coisas provoca tudo o que há de mal e desconforto, mas não necessariamente a
frustração. O regime militar, opressivo, incontestável, esteve sempre
acompanhado do milagre brasileiro. Num momento em que nadavam de braçadas (a
ditadura escancarada), os militares concretizaram o discurso demagógico,
mediante os projetos-impacto, os quais, segundo eles, nos dariam economia
sólida com justiça social. PIS, PASEP, PRORURAL, estão aí seus escombros para
quem quiser ver. O Brasil miserável foi entregue ao povo pela abertura gradual
e paulatina.
A
restauração da democracia serviu para demonstrar, acima de tudo, nossa
tendência a uma classe política corrupta. Enquanto a corrupção estava oculta,
valia o megalômano sétimo lugar entre as economias mundiais. Não soubemos
conciliar o sistema econômico da livre iniciativa com uma democracia autêntica,
não um simulacro com Constituição e urnas.
Equivocados
falam em volta de um regime opressivo. Muitos, pobres e frustrados. Ouviram por
décadas o canto da sereia. Desconhecem que não há ditadura desenvolvida. Não se
argumente com a China, porque seu povo e seus trabalhadores sofrem mais que os
brasileiros. Para superar nossa crise, que resulta da falta de um padrão ético
e filosófico, de um crescimento coerente em favor de um todo organizado,
deve-se lutar pela revisão de costumes, um regime de livre iniciativa
devidamente regulado e justo, democracia que se inspire em projeto de governo e
não de poder, e erradicação de promessas demagógicas que só podem eternizar a
frustração nacional crônica.
Amadeu Roberto Garrido de Paula - advogado subscritor da respectiva petição inicial e
poeta. Autor do livro Universo Invisível,
membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
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