A dor da solidão, o sentimento de desamparo, tornou-se
mal alastradiço. Fala-se em crise de valores: os salvacionismos terrenos,
liberalismo e comunismo, prometiam a felicidade geral. Com a queda, ou o
desencantamento, dessas certezas ideológicas, as pessoas teriam sobrado sem
pauta: cada qual que fosse arranjar o próprio sentido da vida.
Como a vida não tem sentido que não seja o sentido que
lhe damos, ou historicamente inventamos, muita gente se perdeu. Ou se
transmudou para sítio que não é igual, mas é a mesma coisa: conheço ex-marxista
que, na falta de céu comunista na Terra, tornou-se em pastor; promete céu
noutro lugar. Os sem causa para proselitismo arranjam causa para fazer
pregação.
Não me parece uma boa alternativa, seja porque a
proporção de alinhados aos salvacionismos laicos era escassa (quantos liberais
ou comunistas você conhece?), seja porque a atualidade oferece muito mais
valores do que o passado: ecologia, igualdade de gênero, batalha ao racismo,
combate à corrupção estão em debate público com significativa militância.
O anonimato do indivíduo avulso nas multidões das grandes
cidades é opressivo. O fenômeno, ademais, não poupou os lugarejos. Consta que
os gregos evitavam que suas urbes crescessem acima de cinquenta mil habitantes,
temendo a deterioração da qualidade de vida. De fato, ser ninguém numa
megalópole é desagradável, mas pior é ser ninguém em uma cidadezinha.
Culpou-se a oferta de coisas a serem desejadas (tenho,
logo existo), mas que nunca são alcançadas. Tudo foi convertido em mercadoria
(Marx) e as mercadorias atiçam nos nossos desejos. Tem propaganda de tudo, para
todo mundo, mas o todo mundo não tem meios para quase nada, mesmo que pague o
dobro do preço no que se nomeia carnê de prestação.
Ainda que geralmente as pessoas aprendam a viver em
conformação ao seu status, deve ser frustrante constatar a incapacidade de
comprar o algo com que nos seduziram. Não tenho, todavia, dados empíricos para
sustentar a hipótese, ademais solidão não escolhe classe social. Claro, antes
triste, mas rico, do que pobre e triste, mas isso não garante companhia
significativa.
Talvez a longevidade... A evolução leva eras para formar
as condições de sobrevivência de um organismo. A humanidade, contudo, em meio
século dobrou o seu tempo médio de vida; só ainda não aprendeu a curtir essa existência
longa com que a ciência (capitalista) a agraciou.
Isso não alterou a tristeza que decorre do sentimento de
solidão. Aliás, há alguns milênios existem longevos, ou seja, já havia a
condição genética. Se hoje existem mais idosos é apenas devido às oportunidades
ambientais, as de higiene, sobretudo. De toda sorte, o que importa dizer é que
as angústias atingem indistintamente velhos e jovens.
Patrícia Pozza (A importância da vida de relação,
Notisul, 04abr11) e Dráuzio Varela (Solidão Crônica, FSP, 23mar11) alertam para
a degradação orgânica, cerebral inclusive, do solitário. Patrícia sugere
“empenho para o incremento e as aquisições na vida de relação, na vida
afetiva”; Dráuzio diz que “criamos possibilidades ilimitadas de interações
sociais, mas que, contraditoriamente, o contingente dos que se queixam da falta
de alguém com quem compartilhar sentimentos íntimos aumenta em todos os
países”.
Nunca se rematou o assunto. Psicanalistas e
existencialistas advertem que somos mesmo esta incompletude ambulante. Não sei
e quase concluo que ninguém sabe o que fazer para aplacar essa eterna demanda
por interação. Talvez, como tantos filósofos nos dizem, esse seja apanágio da
humanidade e de humanidade.
Bem, Jean-Paul Sartre disse por um personagem seu que “o
inferno são os outros”. Valter Hugo Mãe, por outra figura, o contraria: “O
inferno não são os outros. Eles são o paraíso [...]. A humanidade começa nos
que te rodeiam, e não exatamente em ti. Sobre essa condição humana, Aristóteles
– lá se vão milênios – pontificou: Quem for incapaz de se associar, ou não
sente essa necessidade [...] será um bicho ou um deus”.
Se eu supusesse pressupostos para abrandar a situação,
apostaria em duas coisas: somos seres em relação, não há solução individual
para as dores do mundo (ocorre-me Nenhum homem é uma ilha, John Donne);
crendices ideológicas (as religiosas, inclusive) não levam, como de fato nunca
levaram, a porto seguro nenhum. A humanidade será o que a humanidade,
coletivamente, fizer dela.
Ninguém “ama teu semelhante como a ti mesmo” (pieguice
cristã), contudo, nisso de que falo vai amor ao próximo (fraternidade). Cuidado
com o semelhante na vida em comum civilizada, como já há alguma em alguns
lugares do mundo. Seja; o próximo não é objeto de piedade; ele tem, sobre todas
as coisas, o mesmo direito que tu te dás a ti. Um próximo à altura: um
interlocutor para divagar sobre a vida.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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