Com
grande capilaridade e acesso facilitado, as mídias sociais podem se configurar
como ferramentas valiosas para nossas vidas, possibilitando a distribuição
democrática da informação, oportunizando múltiplas formas de expressão e
gerando conexões ágeis na esfera profissional e pessoal. No entanto, seu uso
disfuncional tem se tornado, lamentavelmente, um lugar comum nos últimos
tempos.
Ataques
em escolas que, de alguma forma, são inspirados ou estimulados por usuários
dessas redes; ações massivas contra celebridades ou pessoas comuns, em julgamentos
morais sem qualquer espaço ao contraditório, nos chamados “cancelamentos”;
disseminação de notícias deliberadamente falsas e desinformação para obtenção
de dividendos eleitorais. Infelizmente, todos já ouviram falar de uma ou mais
situações com essas características.
No
Congresso Nacional, o projeto de lei que propõe a regulação das plataformas
digitais por onde circulam essas informações torna obrigatória a moderação do
conteúdo publicado na internet de modo que condutas consideradas irregulares
possam ser identificadas, sinalizadas ou excluídas. E a responsabilidade por
esse “detox” passa a ser das próprias plataformas, que deverão zelar pelo que é
entregue aos usuários por meio de seus algoritmos.
Se,
por um lado, as redes sociais são enormes fontes de tristeza, dor e ódio, pois
se beneficiam da circulação de notícias falsas, campanhas de desinformação e da
polarização política, por outro, é possível encontrar formas mais saudáveis de
prender a atenção de quem as utiliza. Informação de qualidade pode dar ibope.
Estudos
conduzidos por pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, em
colaboração com Redes da Maré e Fiocruz, mostraram que a tecnologia pode ser
uma importante aliada nos cuidados com a saúde mental, principalmente de
jovens. E, em um cenário de reduzido acesso a profissionais capacitados na
promoção dessa necessidade, ela pode se tornar crucial para garantir um pouco
de conforto e bem-estar, especialmente para quem vive em contextos de maior
vulnerabilidade.
Vale
lembrar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019), 970 milhões de
pessoas sofrem de distúrbios mentais em todo o mundo, sendo que 82% delas vivem
em países de baixa e média renda. Além disso, esses países possuem menos do que
um profissional de saúde mental para cada 100 mil habitantes (WHO 2022).
Como
parte dos estudos conduzidos no conjunto das favelas da Maré no Rio de Janeiro,
o levantamento feito com 357 participantes mostrou que 79% dos entrevistados
consideram importante ter mais informações sobre saúde mental em formatos como
áudios, vídeos e aplicativos. Desses formatos, os com maior grau de preferência
foram os aplicativos (59%) e vídeos (56%), seguidos por áudios (35%) e livretos
(32%).
A
maior parte dos respondentes (63,6%) também expressou interesse em participar
de atividades envolvendo cuidados com a saúde mental, sendo que a maioria dos
que expressaram esse desejo (47%) demonstraram interesse em realizar tais
encontros de maneira tanto presencial quanto online.
Ao
mesmo tempo, embora 62% dos respondentes considerem que serviços digitais
visando a saúde mental sejam úteis, pouquíssimos participantes do levantamento
(4%) chegaram a utilizá-los em algum momento de suas vidas.
A
conclusão da pesquisa, que teve apoio do escritório de Atlanta do Centro de
Controle de Doenças dos EUA (CDC-Atlanta) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), revela que o potencial de uso da telessaúde para
os cuidados com a saúde mental em comunidades vulnerabilizadas é pouco
explorado, havendo oportunidades que podem ser cobertas por políticas públicas
capazes de promover serviços digitais para populações em desvantagem
socioeconômica.
A
atuação governamental deve ter como foco medidas para ampliar a popularidade da
telessaúde e das ações de educação em saúde mental, ampliando a penetração de
soluções comerciais para dar mais opções aos pacientes, principalmente os com
reduzido acesso à saúde mental, como os jovens que residem em comunidades
vulneráveis.
Para
atender às necessidades desse público, entretanto, deve-se trabalhar com
design, formato e linguagem compatíveis com a realidade cultural e educacional
dessas populações. Eis nossa principal sugestão às donas do Instagram,
Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, TikTok e assemelhados: com suas enormes
capacidades de impulsionar o que esse público gosta de ver e assistir nas redes
sociais, por que não começar a identificar, capacitar e promover conteúdos que
contribuam – ao invés de minar – a saúde mental de nossa juventude?
Talvez resida aí uma estratégia potencialmente promissora para a tão necessária desintoxicação dos algoritmos.
Felipe Moretti - psicólogo, pós-doutorando do Instituto D´OR de Pesquisa e Ensino, onde desenvolve pesquisas com apoio da FAPESP sobre soluções digitais de promoção de saúde mental, como a plataforma (Link)
Ronald Fischer - doutor em Psicologia Social pela Universidade de Sussex, e pesquisador no Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, onde lidera estudos sobre culturas, crenças e intervenções em saúde mental
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