Pesquisadoras
da UFSCar apontam principais desafios no combate à doença, especialmente em
populações vulneráveis
A tuberculose é uma das 10 principais causas de morte no mundo. Apesar de existir vacina, e de tratamento e cura serem possíveis há mais de 60 anos, 10 milhões de novos casos surgiram em 2019, com 1,4 milhão de mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde. Para conscientização sobre esta doença considerada negligenciada, o Dia Internacional de Combate à Tuberculose é celebrado anualmente em 24 de março.
"No mundo, há 30 países que correspondem a 90% dos casos de tuberculose, e
o Brasil está nessa lista", aponta Mellina Yamamura, docente do
Departamento de Enfermagem (DEnf) da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) e integrante da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB).
Dados do Ministério da Saúde indicam 73.865 casos em 2019 no País, com queda de
15% no diagnóstico. No mundo, estima-se que três milhões dos casos não foram
diagnosticados no mesmo período, e a falta de diagnóstico configura, assim, um
dos principais desafios no combate à doença, que deve se agravar ainda mais na
pandemia de Covid-19.
Simone Protti-Zanatta, também docente do DEnf e integrante da Rede-TB, explica
que são dois os principais motivos para atraso no diagnóstico: a busca tardia
por atendimento e o fato da doença não ser considerada uma possibilidade por
profissionais de saúde. "Geralmente as pessoas acometidas pela tuberculose
têm febre há mais de um mês, ao final da tarde, não tão alta, além de suador
noturno e cansaço. Ela acomete mais jovens adultos homens, entre 40 e 50 anos,
e como os sintomas são inicialmente brandos, existe a demora pela procura do
serviço de saúde", pontua. Outros sintomas da doença incluem produção de
catarro, dor no peito, falta de apetite, emagrecimento e escarro com sangue.
A pesquisadora explica que o processo de diagnóstico da doença, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, mais
conhecido como bacilo de Koch, é simples, rápido e confiável. A dificuldade
muitas vezes está na cultura dos profissionais, de não cogitarem a tuberculose
como uma realidade atual e, portanto, não solicitarem os exames. E o cenário
deve estar pior em 2021. "Com a Covid-19, os serviços de saúde estão lotados,
com escassez de profissionais, que estão esgotados. A Atenção Primária,
responsável pela vigilância, não consegue alimentar o sistema e manter o olhar
para doenças como a tuberculose, o que dificulta ainda mais o diagnóstico
precoce e, consequentemente, o tratamento", explica Protti-Zanatta.
Um outro desafio é a adesão a tratamento, que envolve uma combinação de
medicamentos - oferecidos gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) -, que
precisam ser tomados por seis meses. "Muitas vezes o procedimento não é
levado à risca, e os efeitos colaterais podem ser desencorajadores. Além disso,
é comum que a pessoa sinta melhora em poucos dias e abandone os medicamentos, o
que faz com que o bacilo se tornem ainda mais resistentes e dificulta o combate
à doença", detalha a pesquisadora.
Uma pessoa com tuberculose pode contaminar entre 10 a 15 pessoas ao redor. Se
ela for diagnosticada precocemente e seguir com o tratamento, deixa de
transmiti-la. No entanto, a cura só vem depois dos seis meses. "Se a
pessoa abandona o tratamento, ela segue espalhando a doença, já que a
transmissão é por vias aéreas, como na tosse, espirro ou fala. Assim, continua
a cadeia de transmissão, e ela mesma pode criar resistência à doença e ter o
quadro agravado. Se não quebrarmos essa cadeia, não sairemos desse círculo
preocupante", pondera Yamamura.
Principais desafios
As docentes da UFSCar lideram o Grupo de Estudos Operacionais em Doenças
Negligenciadas e Emergentes (Geodone), certificado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e formado por estudantes de
graduação, mestrado e doutorado, com o objetivo de melhor compreender as
doenças emergentes e como combatê-las.
As pesquisas realizadas pelo grupo destacam três desafios no que diz respeito à
tuberculose: o enfrentamento da doença junto à população em situação de rua, a
tuberculose multidroga-resistente e o financiamento de pesquisas na área, cada
vez mais escasso.
A tuberculose comumente atinge as camadas da população com maior desvantagem
social, acometendo pessoas em situação de vulnerabilidade, e muito
especialmente a população em situação de rua, que, segundo Protti-Zanata, tem
77 vezes mais probabilidade de adquirir a doença. Na tentativa de diminuir esse
índice e de oferecer assistência em saúde a essa população vulnerável, foram
criados os consultórios na rua. "A iniciativa oferece equipes compostas
por médicos, enfermeiros, agentes de saúde e comunitários, técnicos de
enfermagem e assistentes sociais, focados em atender essa população - tanto para
doenças negligenciadas, como para doenças crônicas não transmissíveis, como
diabetes e hipertensão", explica a docente da UFSCar.
A pesquisadora ressalta que, apesar dos consultórios na rua auxiliarem no
atendimento e no acompanhamento do quadro de saúde dessas pessoas, ainda
existem muitos desafios. "No caso da tuberculose, é difícil acompanhar o
tratamento dessas pessoas, pois ele é longo e muitas delas são itinerantes,
acabam mudando ou até são obrigadas a mudar por questões políticas locais, o
que faz com que o acesso a elas fique ainda mais difícil", descreve
Protti-Zanatta. Além disso, o maior e mais importante desafio é ter gestores -
municipais, estaduais e federais - sensibilizados com a problemática.
Por fim, outra questão crítica no enfrentamento da doença é a tuberculose
multidroga-resistente. "Além das pessoas que descontinuaram o tratamento,
há pessoas que são resistentes às drogas já no início do tratamento, ou
desenvolvem resistência durante, mesmo sem descontinuidade, pois adquirem as
cepas já resistentes", situa Yamamura. São casos muito semelhantes ao que
estamos vivenciando com a Covid-19. "Apesar da tuberculose ser causada por
bactéria, e a Covid-19 por um vírus, a situação se torna extremamente agravada,
pois pode haver, para a tuberculose, uma resistência aos antimicrobianos, o que
faz com que a pessoa não responda ao tratamento. Por isso, é essencial
tentarmos controlar a transmissão, para que não vivenciemos uma tragédia ainda
maior com essas novas cepas", alerta a docente.
Para as pesquisadoras da UFSCar, um caminho para enfrentar a situação da
tuberculose no Brasil envolve unir esforços para empoderar as pessoas - tanto
profissionais de saúde como a sociedade como um todo, por meio de campanhas de
conscientização. O investimento em pesquisas também é essencial, inclusive para
melhor compreensão do cenário atual da doença e consequentes tentativas de
sensibilização de governantes e gestores da área.
Para articular pesquisadores, o Geodone tem parcerias com diversas
instituições, como a própria Rede-TB; o Instituto de Ciências Matemáticas e de
Computação (ICMC), a Faculdade de Saúde Pública e a Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto (EERP), sendo essas últimas três da Universidade de São Paulo
(USP); além de se articularem com a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG); e, em São Carlos, mais especificamente com o Centro de Atendimento a
Infecções Crônicas (Caic), vinculado à Prefeitura Municipal.
No entanto, atualmente, o severo corte de verbas é mais um dificultador a ser
enfrentado. "Os editais não estão contemplando nossas pesquisas, o que nos
preocupa. A Ciência envolve vários aspectos, e nós trabalhamos com a temática
para oferecer subsídios ao planejamento de ações estratégicas, de saúde e de
controle da doença. Apesar disso, as pesquisas estão perdendo cada vez mais o
incentivo", lamenta Protti-Zanatta.
Eventos
Com o intuito de disseminar o conhecimento relacionado a doenças negligenciadas
e pessoas em situação de rua, o Geodone realiza e divulga eventos abertos ao
público neste mês de março. Um deles é o I Seminário Internacional Online sobre
Vulnerabilidade e Doenças Infecciosas Neglicenciadas, que ocorre a partir de 25
de março e segue até 27 de março, sempre com início às 9 horas e inscrições e
mais informações em https://www.even3.com.br/isiovdin/.
Além disso, no dia 26 de março será realizada roda de conversa sobre os estudos
com população em situação de rua e outros grupos em situação de
vulnerabilidade, a partir das 14 horas. Mais informações sobre os encontros
estão no Instagram do Geodone (@geodoneufscar).
Nenhum comentário:
Postar um comentário