Eu gostaria de sugerir uma reflexão, não só como participante disso tudo, mas também como alguém que prepara as pessoas para serem transformadas em um ambiente um tanto quanto diferente e desconhecido: a Selva.
Em minha experiência com treinamento de sobrevivência na selva, observo as reações e os comportamentos daqueles que decidem se aventurar comigo no meio do mato, sem mantimentos ou conforto. E a conduta deste audacioso público traz muito de aprendizado para a vida pessoal, profissional e, por que não, corporativa.
Quando os participantes dos cursos de sobrevivência na selva chegam ao ponto de encontro, estão com a mochila cheia, com itens que acham essenciais para alguns dias na floresta. Dormem em um abrigo coberto, comem bem. No dia seguinte, todos os bens e a mochila são confiscados e eles começam a aventura somente com a roupa do corpo e uma faca. E força de vontade!
Durante este dia, tudo ok. Ainda estão com a lembrança de uma noite bem dormida, refeições satisfatórias. A ansiedade pela jornada que está começando é uma ferramenta propulsora para que as experiências e compartilhamentos sejam positivos. A caminhada até a área de treinamento é úmida e tropeça, com rios e obstáculos para transpor que já eliminaria alguns dos menos corajosos.
Então chega a hora de dormir. Molhados. Sem cama. Sem cobertor. Sem travesseiro. Sem banho. Ao final deste dia, cerca de 30% dos participantes desiste. as razões são quase sempre as mesmas: o frio e as privações. Mesmo assim, devem construir seu abrigo no ambiente rústico, com meios de fortuna, e buscar alimentos.
No período seguinte, as pessoas que iniciaram bem a empreitada já começam a sentir falta de tudo o que consideram essencial e não têm mais acesso. Continuam com as roupas molhadas e com frio. Alguns momentos de tensão entre o grupo começam a ocorrer por causa de alimento ou da distribuição dos afazeres. Tarefas, aulas e ensinamentos são parte das atividades do dia. Algumas delas dentro do rio. Então chega mais uma noite e o momento de dormir nas mais básicas condições, novamente no frio e então a fome começa a crescer. Dessa maneira, sem conseguir se secar e se proteger do frio, partem para o quarto dia.
Os participantes amanhecem para mais uma jornada. Querem ir embora, mas não podem. A natureza começa a drenar as energias dos guerreiros. Alguns momentos de revolta acontecem, mais alguns desentendimentos, mas a partir deste período o grupo começa a entender que a união é a maior ferramenta de sobrevivência. Chega a hora em que o desejo de que tudo acabe logo é grande, mas a determinação é ainda maior. Ainda falta um tempo e o final é o principal estímulo. A cada minuto que passa, eles ficam mais perto da glória.
No 5º dia os participantes começam cansados e amuados, cada um no seu canto e com as roupas ainda úmidas. Mas então percebem que se fizerem coisas juntos podem melhorar a situação desagradável em que se encontram e percebem que a união será mais vantajosa.
Seis dias se passaram desde que os intrépidos aventureiros chegaram ao local do treinamento. A união é fortalecida pela proximidade do final, o abrigo está fortalecido, já temos grito de guerra, o grupo está coeso, decidem juntos o que vão comer, o que será conversado, atividades que realizarão. Percebem que a união faz realmente a diferença e as necessidades foram revistas. O que eles querem agora é o que realmente faz sentido.
Chega então a hora de finalizar a jornada: o 7º dia. Agora, a energia é vibrante, como se a aventura tivesse começado de novo. Embora estejam cansados e com alguns quilos a menos, suas vidas passaram por uma ressignificação. Ao final do curso, os participantes já pensam diferente sobre o que é essencial, o que é imprescindível, trocam luxos por simplicidades, e se a mochila inicial precisasse ser preenchida novamente para esta aventura certamente teria muito menos itens.
A vida desses guerreiros foi completamente transformada!
Conto essa história para fazer uma comparação com o momento de isolamento social em que vivemos. Quando a necessidade de confinamento começou, muitos de nós encheram a vida e os armários de itens que pensávamos ser muito imprescindíveis e que, na verdade, não eram tão essenciais assim. Nos angustiamos ao pensar não poder ir ao cinema ou ao shopping. Franzimos a testa pensando em quando tempo não poderíamos caminhar no parque.
Depois nos irritamos, nos isolamos ainda mais, ficamos frustrados, muitos passaram por momentos de tristeza e desespero, já que não sabiam – assim como ainda não sabemos – o que vai acontecer depois que a pandemia passar.
Mas o tempo passa. Abrimos o armário da cozinha e vemos que aquele monte de itens “essenciais” não é realmente importante. Talvez uma nova compra com alimentos mais saudáveis, a escolha de filmes para ver em casa, se exercitar com o que tem em mãos...
A pandemia do coronavírus tirou muitos recursos que tínhamos e também muito do que é inútil. Com isso, faz repensar nossas necessidades em diversos aspectos.
Tanto na selva quanto na quarentena precisamos desconstruir para reconstruir.
E se é assim em nossas vidas, também nas empresas. Muitas estão desconstruindo práticas e culturas que não são mais úteis para construir algo novo e empolgante. Essas companhias estão renunciando a muitas coisas e partindo para territórios desconhecidos. Se não estiverem preparadas, pesquisando e implementando novas estruturas, vão perder tempo e dinheiro com recursos que talvez não precisem. Tudo está ligado à observação do momento e da capacidade de se reinventar.
Como estão suas reflexões e atitudes nesse momento? Mais do que nunca, é hora de desconstruir para reconstruir.
Sandro Botelho - Gerente de Marketing de Clinical Solutions da Elsevier
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