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sexta-feira, 31 de março de 2017

Um problema mortal que nos ofusca



No torvelinho diário, a pequena política nos consome.

Os acontecimentos político-criminais do Brasil contemporâneo exaurem a agenda. Não seria diferente, segundo nossos costumes e o estágio de nossa cultura.

Há certos fenômenos cuja observação direta nos ofusca. Logo, preferimos ficar naquele ramerrão. Fenômenos naturais e humanos, ou políticos. Pontuou François de La Rochefoucauld dois, os quais preferimos não olhar diretamente: o sol e a morte.

Outro impõe aos homens deste século iniciar, desde já, um grande plano de assimilação, no campo econômico, tecnológico e suas consequências filosóficas. Prefere-se não encará-lo, em qualquer região do mundo, a partir das consideradas nações desenvolvidas. Existem estudos profundos, que ficam confinados nos meios acadêmicos; e  ações necessárias não são tomadas às mãos por líderes mundiais, se é que ainda os há.

Falamos da inteligência artificial, da automação e da robotização. E, principalmente, de suas repercussões inevitáveis na sociedade humana.

Primeiro, são eventos distintos, embora oriundos de causas comuns: os esforços bem sucedidos do homem no campo das ciências e respectivas especializações.

A automação já provocou sérias greves e conflitos no século XIX e no princípio do século XX. Foram as máquinas a extinguir postos de trabalho e os trabalhadores, organizados em seus primeiros e combativos sindicatos, a defender seus lugares ao sol, dos quais dependiam seu sustento e de suas famílias. Um abjecto ditador (essas coisas ocorrem), dizia ter implementado, por certo tempo, uma solução, na China Comunista: apesar de o país dominar em alta escala a automação, não a introduzia por completo na atividade econômica, para não levar os operários à ruína provocada pelos  extintos salários. Como em outros aspectos daqueles regimes conflitivos com a democracia, talvez isso seja lenda urbana, jamais tenha ocorrido. Só propaganda da inteligência do "guia genial e universal dos povos", tal como os tanques de papel da Praça Vermelha e os segredos ameaçadores de hoje da Coreia da Norte. Seja como for, o capitalismo sobreviveu e sobrevive com a automação, em que pesem as altas taxas de desemprego, o mal estar do universo macroeconômico, devidas a elas e a outros fatores de cada país.

A robótica pode estar generalizada. Não  o está dado o custo de produção dos robôs e o pé no freio automático das maiores economias, instintivamente percepientes de seus problemas. Nesta semana, um prestigioso hospital paulistano mostra aos médicos a cirurgia robótica. O robô não tem sentimentos e faz o necessário. Suas mãos não tremem. Não se introjetam espiritualmente na sorte do paciente. E isso pode ser bom, pragmático. A razão e a ciência superando as fraquezas, ainda que compreensíveis e generosas, dos humanos em relação a seus irmãos. Mas o importante é dizer que não é a inteligência artificial em ação. Os robôs são comandados pelos homens, no exemplo citado pelos cirurgiões, de seus computadores, do local ou de enormes distâncias. Maravilha. Um grande cirurgião de São Paulo a comandar um robô no Acre. Porém, não há robôs suficientes e pessoal da saúde que intermedeie o comando inteligente do cirurgião virtual sobre a máquina direcionada, no exemplo citado.

Por fim, o grande problema, sobre o qual ninguém fixa diretamente suas vistas, salvo naqueles meios acadêmicos. E a transliteração da filosofia greco-romana volta com o profundo desenvolvimento das demais ciências. As máquinas agem por si, pensam por si, talvez um dia falem, sem necessidade de comandos. Generalizadas, o homem venceu a remissão do pecado de Adão e Eva. Não precisará mais de seu trabalho físico. E "postos de trabalho", "emprego", "carteira assinada", coisas para a história.

Ciclicamente, voltamos a Atenas. O trabalho escravo deixava os cidadãos livres. Para estes, Aristóteles, vindo não se sabe de que Galáxia, pois influenciou, por perto de dezesseis séculos, o destino humano, em todas as  manhãs, de seu famoso Liceu, dava aulas aos livres ou libertos, homens e mulheres, de como preencher seus tempos livres, de modo construtivo e pessoalmente realizador. À tarde se dedicava aos aprendizes da filosofia e à noite discutia com os doutores. Não nos reduzimos a Atenas e não temos nenhum Aristóteles.

Se a riqueza produzida pelas máquinas inteligentes superará a oriunda das mãos dos homens, todos , desde os primeiros anos, terá um soldo, suficiente para manter suas vidas em condições de dignidade. Tudo depende de uma política distributiva mundial. É um dos problemas equiparados ao sol e à morte.

O outro, mais profundo, está na ocupação do tempo livre. Fala-se de lazer criativo, dedicação às ciências, às artes, à literatura, à filosofia. Fala-se, apenas, e, com certeza, o fenômeno nos apanhará de calças curtas. Como sempre, somos mais reativos que previdentes e propositivos. O problema é emergente. Um país como o Brasil, de precária educação formal, poderá sofrer muito. Jovens, sem ocupação, certamente trilharão o caminho das drogas ou das alucinações ideológicas, como aqueles que são cooptados pelo EL. A essa destruição devemos opor todos os nossos conhecimentos, hauridos nos séculos passados.  Fazê-los ver que a vida tem um sentido e, como dizia Pessoa, que "o sentido tem um sentido". O Aristóteles que vemos em atuação chama-se Domenico De Masi, que já esteve no Brasil a descobrir nossos olhos face a essa magna questão existencial.
    
Claro, há mais homens que, dizia Borges, em número pequeno, cientes do drama, sem o saber, estão a salvar o mundo. Nosso cotidiano é importante, mas deveríamos dar um espaço ao que efetivamente nos interessa, num intervalo sem falar de política e de ladrões.





Amadeu Roberto Garrido de Paula - Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados, com uma ampla visão sobre política, economia, cenário sindical e assuntos internacionais.  





Constelação Sistêmica: como, onde e por quê?



Apesar de só estar ganhando força no ambiente corporativo agora, as chamadas constelações sistêmicas têm conquistado cada vez mais notoriedade ao longo dos anos. Contudo, durante muito tempo elas foram usadas apenas para a solução de conflitos particulares, por isso, para entender como elas chegaram ao ambiente corporativo é importante olharmos um pouco da sua história. 

Suas raízes remetem a década de 60, mas seu conceito passou a ser amplamente desenvolvido anos mais tarde com o psicoterapeuta alemão Bert Hellinger. Na época, o estudioso descobriu que nos relacionamentos humanos existem três princípios que atuam de forma subconsciente: a ordem, que pressupõe a hierarquia; o equilíbrio, que destaca a importância das trocas entre o dar e o receber; e o vínculo, que reafirma o desejo de pertencer a um grupo. Com esses princípios, descobriu-se que é possível obter informações dentro de um sistema social de relações. 

Em paralelo, o casal alemão Matthias Varga von Kibéd e Insa Sparrer, trabalhou na estruturação do conceito da Constelação Estrutural, onde a base deixa de ser fenomenológica para ser construtivista. O foco em sentimentos passa para a busca de percepções e soluções. Esse trabalho garantiu a adaptação dessa metodologia para o universo corporativo. Entendeu-se que a ordem continua sendo importante, mas a hierarquia pode ter diferentes contextos, além de o pertencimento ser temporário. 

Mesmo com o desenvolvimento de todo esse trabalho e fundamentação teórica, é comum a prática ser relacionada a religiões, linhas espiritualistas e, até mesmo, a astrologia. Mas, não existe essa conexão. Todo esse equívoco se deve a um simples “erro” de tradução.


Uma prática, muitas palavras - Por ter sido nomeada na língua alemã, que se caracteriza por sua complexidade e criação de palavras através da junção de termos e conceitos únicos, não foi possível fazer uma tradução literal do nome Familienaufstellung. Dessa forma, na língua inglesa, a prática foi chamada de Constellate e, automaticamente, no português, de Constelação. Apesar das duas terem sentidos diferentes nos dois idiomas. 

Sendo assim, quando você ouvir alguém relacionando o conceito de Constelação às estrelas ou algo místico e esotérico, já sabe que a história é um pouco diferente. Mas, para ficar ainda mais claro, é importante que você também entenda como ela é, de fato, aplicada. 


Como funciona - Com o objetivo de esclarecer questões complexas, sejam elas pessoais ou profissionais, uma constelação coloca as pessoas que estão presentes no processo para representar membros da família, um grupo social ou um problema do cliente. Isso acontece através da representação espacial do sistema. 

O constelado define o que gostaria de ver na sessão e o facilitador vai conduzindo as pessoas ou objetos a fim de testar hipóteses e descrever as melhores alternativas para cada questionamento. As informações adquiridas servem de base para a tomada de decisão, por apresentarem com nitidez quais são as opções disponíveis. 

A sensação se assemelha a quando estamos em uma estrada e somos incomodados por uma densa neblina que impede nossa visão. Mesmo sabendo da existência de caminhos a seguir, eles não estão claros e, por isso, não sentimos confiança para arriscar qual a melhor direção. Contudo, quando a névoa se vai e o céu clareia, tudo se torna simples e, de forma natural e firme, podemos escolher a melhor decisão. É essa transparência que as Constelações trazem, principalmente, quando aplicada em empresas.






Alexandre Tauszig - sócio da S100, consultoria estratégica de recursos humanos com foco na otimização de resultados empresariais, e especialista em treinamentos de gestão, comportamento e liderança.







Davi e Golias: Pode a sociedade brasileira controlar as finanças do Estado?



Surpresa de alguns, de outros nem tanto, o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles veio a público informar sobre os desafios do quadro fiscal e as dificuldades para cumprir as metas de crescimento das despesas públicas primárias – custeio dos funcionários, material de consumo, investimento público e assistência social, isto é, o total das despesas exceto os gastos com juros amortização da dívida pública. O que há de estrutural e de conjuntural nesta situação é insumo para debate.

De um lado, é verdade que as receitas públicas, que são altamente correlacionadas com o nível de atividade econômica, sofreram uma forte queda devido à recessão – que, por sua vez, antecedeu quaisquer tentativas recentes de ajuste fiscal, pois já dava sinais de sua existência no segundo semestre de 2014.

Ou seja, manter eventuais superávits primários ou controlar déficits primários é uma tarefa inglória quando se perdem receitas. Entretanto, é preciso lembrar que há um fator importante: a receita já vinha sendo comprometida desde as medidas de desoneração tributárias de 2011, que ao fim e ao cabo, mostraram-se pouco efetivas para estimular a atividade econômica na maior parte dos segmentos beneficiados.

O que, de fato, está na raiz do problema é algo mais profundo e complexo: a crise fiscal do Estado brasileiro, que nunca foi debelada de fato. A discussão sobre essa crise remonta aos anos 90 do século passado e parece datada, porém não é. Ao longo de mais de 25 anos, com remendos, uma boa dose de sorte e ventos favoráveis, a incapacidade de o Estado brasileiro controlar suas despesas e ter condições de financiá-las foram “varridas para debaixo do tapete”.

Vale lembra que uma das ações necessárias para o êxito do Plano Real foi tomada em 1993 e se tratava do “Fundo Social de Emergência” (FSE), que depois tornou-se o “Fundo de Estabilização Fiscal” (FEF), estabelecendo a DRU (desvinculação de receitas da União) – nomes pomposos para legalmente se reduzir o percentual de gastos obrigatórios pela Constituição em determinadas rubricas – ou seja, para promover ajustes fiscais momentâneos.

Por características institucionais, por escolhas da sociedade, por má gestão das despesas públicas (que envolve desde a elaboração do orçamento até à qualidade do gasto público) e por razões políticas (necessidade de acomodar grupos de interesses e representantes partidários da coalização de governo com cargos e postos no poder executivo – frutos do “presidencialismo de coalizão”), a despesa pública primária cresceu estruturalmente desde o final dos anos 80. Foi com endividamento e carga tributária crescentes, que ela vinha sendo precariamente acomodada.

Agora, num momento de crise que escancara as vísceras do Estado, não há mais como esconder o problema. Sequer o advento da “contabilidade criativa” é mais aceito. Vir a público afirmar que será necessário um corte de R$ 42,1 bilhões na despesa primária deste ano é sinal de que não há outra saída e que o problema não pode ser escondido nem tampouco facilmente administrado.

Onde cortar é a pergunta. Em primeiro lugar, desonerações e subsídios que não cumpriram o desempenho esperado têm que ser removidos, por mais doa nos segmentos beneficiados e por mais justo que seja o “mantra” da elevada carga tributária do país.

Depois disso, corta-se o que é menos essencial, por não ser uma prestação continua de serviços, como emendas parlamentares e obras do PAC que possam ser interrompidas e descontinuadas. Ruim para a infraestrutura? Pode ser, mas cortar repasses do SUS ou pagamento de aposentadorias tem efeitos muito mais deletérios para a sociedade. Além disso, cortam-se os gastos mais fáceis, ou seja, aqueles que são de beneficiários difusos ou com pouca capacidade de articulação e pressão política, como os bolsistas de pós-graduação espalhados pelo país. Isto é bom? Não, de forma alguma. É o possível.

Seria mais fácil aumentar a tributação? Operacionalmente pode ser que sim, mas politicamente não. Há uma indisposição geral em pagar mais tributos, em particular não apenas porque a carga tributária é elevada para os padrões de renda per-capita do Brasil e pela qualidade dos serviços públicos prestados, mas porque a distribuição dessa carga é concentrada em três grupos: assalariados com carteira assinada, consumidores em geral e pequenas e médias empresas – que estão fora do Simples.

Em suma, a questão não é meramente conjuntural, mas estrutural. Qual é o tamanho do Estado que a sociedade brasileira quer ter e qual a disposição dela a pagar por isso. Afora a relevante discussão sobre a elaboração do orçamento público e a qualidade da despesa pública, é preciso discutir o que se quer do Estado e como se pagar por isso.

Tendo em vista as cifras envolvidas, as despesas públicas se parecem com um Golias que a sociedade brasileira, o Davi, teima em domar e não consegue derrubar. O que é essencial e o que pode ser cortado estruturalmente? A democracia dará as respostas, mas num prazo mais devagar que o desejado.






Vladimir Fernandes Maciel - professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie e está disponível para entrevistas.




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