Em 29 de agosto é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Fumo
Cigarro convencional, “paiero”, cigarro
eletrônico, narguilé. A indústria do tabaco é ativa no que se refere a criar
releituras para o hábito que traz malefícios em todas as suas roupagens. O cigarro
de palha, por exemplo, ganhou a atenção dos jovens apoiado pelo conceito de
possuir menos elementos químicos, ser mais “natural” e, portanto, impactar
menos a saúde em geral. E nada disso é verdade. O cigarro de palha tem uma
potência tabágica cinco vezes maior que a do cigarro industrializado, explica
André Moraes, oncologista clínico do Centro de Oncologia Campinas.
O Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado em
29 de agosto, é mais uma ocasião para lembrar que o cigarro é um problema de
saúde pública e uma causa evitável de mortes, independentemente da versão em
que se apresente. Já é sabido que pelo menos 40% dos óbitos por doenças em todo
o mundo estão relacionados ao tabagismo.
“Se olhar especificamente para o câncer, o tabaco
é o agente causal mais importante. Está associado a uma série de tumores, não
só de pulmão, mas do trato aéreo digestivo alto, pâncreas, rim, colo de útero
em mulheres, bexiga. Talvez seja mais importante a interferência do tabaco nas
doenças de bexiga do que nas de pulmão”, exemplifica André Moraes.
Os vapes (cigarros eletrônicos) e os “paieros”
(de palha) são responsáveis por disseminar entre os jovens a falsa ideia de
acarretarem menor risco à saúde em comparação ao cigarro industrializado.
Segundo o oncologista do COC, esse discurso se resume a uma estratégia de
marketing da indústria do tabago para recuperar terreno no mercado de consumo.
“Um indivíduo que fuma quatro cigarros de palha
por dia, na verdade está fumando um maço de cigarro industrializado pela
proporção das toxinas. O cigarro de palha tem uma potência tabágica cinco vezes
maior que a do cigarro de papel. Do ponto de vista da dosagem de alcatrão e
nicotina, as concentrações são maiores”, afirma Moraes.
É errado também, diz o médico, acreditar que o
filtro de feltro usado nos cigarros de palha tem a capacidade de amenizar os
malefícios. “Essa foi outra jogada de marketing para iludir os fumantes no
sentido de que aquele filtro diminuiria a quantidade de toxinas. O filtro fica
da cor de alcatrão, mas na verdade não tem impacto do ponto de vista de saúde”.
A linha de evolução do tabagismo corre em
paralelo à do aumento das doenças cujos riscos são ampliados pelo tabaco. “Lá
no início do século 20, em 1902, o câncer de pulmão representava 2% dos
cânceres humanos e hoje chega a 17%. Depois da Primeira Guerra Mundial, o
hábito de fumar foi difundido. A partir dali vieram as propagandas fantásticas
que vendiam imagem de riqueza e sucesso. O vício cresceu e as doenças também”,
conta o médico.
Dados indicam ainda que novas doenças pulmonares
estão sendo diagnosticadas por causa da adoção de diferentes hábitos de fumar.
“Recentemente tivemos a notícia do falecimento de um jovem por uma infecção
fúngica, ou seja, um tipo de mofo, novo, que não era causador de doenças em seres
humanos, mas que se tornou nesses indivíduos que usam o vape”, informa.
Informação contra a propaganda
É importante, observa o oncologista, divulgar a
informação de que cigarros de palha e vapes também viciam, como os
industrializados. Eles possuem substâncias biologicamente ativas que induzem o
indivíduo ao uso crônico. “É mais ou menos semelhante ao que a velha nicotina
do cigarro industrializado causa”, reforça Moraes. “Tem muita gente comprando
tabaco e construindo cigarro de palha como se isso fosse menos tóxico, mas é
pura ilusão”.
O argumento de que o cigarro industrializado tem
muita química, ao contrário do de palha, indica Moraes, não possui fundamento
científico. “A toxicidade de alcatrão e nicotina, por exemplo, que são drogas
que depositam lixo na via respiratória e causam dependência, é mais concentrada
no cigarro de palha. Isso é um fato importante, precisa ser divulgado e
repassado aos jovens que entraram nessa onda”, alerta.
Moraes acrescenta que “movimentos contra o fumo
são bons para lembrar que o tabagismo é uma causa importante para
desenvolvimento de doenças. É um mal que a gente conhece, passível de
intervenção.”
A indústria do tabaco, observa, é violenta e
inovadora. Os cigarros vapes, que prometem ter menos toxinas, impõem uma falsa
teoria ao indivíduo que é viciado. “O fumante se ilude. Caminha para uma trilha
em que ele troca o cigarro industrializado, que é sabidamente nocivo à saúde,
por outro que é vendido como não sendo nocivo, mas que, na verdade, causa tanto
mal quanto”.
Quem é tabagista?
André Moraes explica que é aceita uma definição
de tabagista para o indivíduo que fuma um cigarro por dia há pelo menos um ano.
“Isso significa que esse indivíduo sofre influências das substâncias químicas
presentes no cigarro como todos os tabagistas. É óbvio que a dose está
diretamente relacionada a doenças diferentes. Quanto maior a carga tabágica,
maior o risco de ter determinadas doenças”, esclarece.
Ex-fumante, do ponto de vista clínico, é aquele
indivíduo que abandonou o vício há pelo menos 14 anos, define Moraes, do ponto
de vista dos riscos de câncer de pulmão. Para outras doenças, o período de
abstinência do vício é ainda maior. “A gente estima que demore cerca de 14 anos
sem fumar para um indivíduo que foi tabagista retornar ao nível próximo
daqueles indivíduos que nunca foram tabagistas, do ponto de vista do risco de
desenvolver câncer de pulmão”, diz.
A relação do tabagismo com o câncer de bexiga,
por exemplo, tem efeito mais prolongado. “Pode chegar a 30 ou 35 anos o tempo
sem fumar e, mesmo assim, o surgimento de um câncer de bexiga ainda estará
clinicamente atrelado ao fato de ter fumado lá atrás”, afirma o médico do COC.
A explicação é fisiológica. Moraes diz que todos
os tecidos do corpo são renovados, porém, a pessoa que não fuma tem um ciclo de
recapeamento do tecido muito mais lento do que aquele que é estimulado pelo
tabagismo. “No fumante, a exigência que o tecido se renove mais rapidamente
aumenta as chances de haver mutações nesse tecido, que eventualmente podem
acelerar o processo de desenvolvimento de câncer.”
Como parar de fumar?
A grande maioria dos fumantes já tentou parar de
fumar um dia. Boa parte deles também se esconde atrás da teoria que pode largar
o vício quando quiser. São comportamentos que, segundo Moraes, se assemelham
aos dos alcóolicos que, quando expostos, sucumbem à aceitação do vício. A
diferença entre os dois, contudo, é que menos difícil parar de fumar do que
parar de beber.
“Os tratamentos para cessação do tabagismo são
mais eficientes que os contra o alcoolismo. Há importantes auxílios
medicamentosos e intervenções psicoterápicas que são muito eficientes, desde
que o indivíduo queira largar o vício”, reforça Moraes. “Se o indivíduo está
empenhado, se compreende e sabe que é difícil parar porque tem dependência,
existem tratamentos clínicos eficientes, inclusive na saúde pública. O primeiro
passo é querer parar de fumar”.
COC - Centro de Oncologia Campinas
Rua Alberto de Salvo, 311, Barão Geraldo, Campinas
Telefone (19) 3787-3400.
Nenhum comentário:
Postar um comentário