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quinta-feira, 24 de março de 2022

As Mudanças Climáticas e Duas Faces Das Obras Subterrâneas


As obras subterrâneas ainda são pouco utilizadas no Brasil, seja em decorrência do baixo investimento em infraestrutura, seja pelas características topográficas que exigem menos a escolha dessa solução de engenharia ou mesmo por questões culturais que não valorizam obras abaixo da linha de visão. Entretanto elas podem ser muito úteis para minimizar os efeitos da emissão de CO2, um dos principais gases de efeito estufa, ou para minimizar seus efeitos, em especial nas áreas urbanas densamente ocupadas.

Exemplos notáveis são das linhas eletrificadas metropolitanas de trens, predominantemente subterrâneas. A solução subterrânea favorece traçados mais favoráveis a conservação de energia, menos dependentes das estruturas em superfície, além de permitir traçados em pêndulo, entre as estações, favorecendo a aceleração em descidas e frenagem nas subidas, redundando em considerável economia energética e também na regeneração de energia.

Além disso, considerando que a matriz energética brasileira é mais renovável que o resto do mundo (figura 1) e que o uso de energia elétrica no Brasil mais limpa devido às condições mais favoráveis de sua matriz elétrica composta predominantemente renovável e de baixa emissão de carbono (figura 2), o uso desse tipo de transporte contribui fortemente para a redução das emissões de gases de efeito estufa quando comparado com outros meios de transportes, além de reduzirem significativamente o uso de espaço urbano superficial, poluição, ruído, entre outros benefícios.
Comparação da Matriz energética brasileira com o mundo. 

Matriz elétrica brasileira. 


Dados do Metrô de São Paulo no seu relatório Integrado 2020 ( Figura 3) mostram que o metrô paulistano, predominantemente subterrâneo, emite 5 g de CO2 por passageiro transportado (gCO2e/p Km) ou seja, cerca de 5% dos outros modais de transporte e cerca de 10 % de seus equivalentes ao redor do mundo, em função da matriz elétrica brasileira.


 Relatório Integrado 2020 -- Metrô -SP. 


Outro aspecto relevante é o potencial de soluções subterrâneas para problemas urbanos decorrentes das mudanças climáticas, que vêm sendo agravados nas últimas décadas. Um exemplo disso é o SMART Tunnel (Stormwater Management And Road Tunnel), uma estrutura rodoviária e de drenagem pluvial em Kuala Lumpur, Malásia. O túnel de 9,7 km é o túnel de drenagem de águas pluviais mais longo do Sudeste Asiático e seu principal objetivo é resolver o problema das inundações repentinas em Kuala Lumpur e reduzir os engarrafamentos ao longo do viaduto Jalan Sungai Besi e Loke Yew em Pudu durante a hora do rush. Existem dois componentes deste túnel, o túnel de águas pluviais e o túnel da autoestrada.

Seu funcionamento é em 4 modos ( figura 4) : O primeiro modo, em condições normais onde não há chuva, nenhuma água de inundação será desviada para o sistema. Quando o segundo modo é ativado, a água da inundação é desviada para o túnel de desvio por baixo do túnel da autoestrada. O trecho da autoestrada ainda está aberto ao tráfego nesta fase. Quando o terceiro modo está em operação, a autoestrada é fechada para todo o tráfego. Depois de garantir que todos os veículos saiam da rodovia, portões automatizados à prova d'água são abertos para permitir a passagem das águas das enchentes. Após o término da inundação, o túnel é verificado e limpo por meio de lavagem a pressão, e a rodovia é reaberta ao tráfego em 48 horas após o fechamento.






As seções de águas pluviais do sistema SMART começaram a operar no final de janeiro de 2007. Até 18 de julho de 2010, o sistema SMART evitou sete inundações repentinas potencialmente desastrosas no centro da cidade, tendo entrado em seu primeiro modo de operação 3 apenas algumas semanas após a abertura da autoestrada. Em setembro de 2020, o túnel havia ativado seu quarto modo pela sétima vez.

Em dezembro de 2021, a SMART entrou no Modo 4 pela oitava vez, devido às enormes inundações causadas por fortes chuvas que duraram de 16 a 18 de dezembro. As coisas teriam sido muito piores em Kuala Lumpur se não fosse pelo túnel, que desviou com sucesso 5 milhões de metros cúbicos de água da enchente durante as 22 horas em que esteve em plena ativação.

Os casos acima apresentados são apenas exemplos das possibilidades das obras subterrâneas, ora colaborarem para a redução das emissões de gases de efeito estufa, ora como solução para os problemas decorrentes das mudanças climáticas.



Hugo Cássio Rocha - Professor da disciplina de Túneis e Obras Subterrâneas do curso de Engenharia Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie


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