Pesquisa feita na Unicamp mostra que um ácido biliar conhecido pela sigla TUDCA diminui a ingestão alimentar e aumenta o gasto de energia, melhorando a qualidade de vida; resultados são promissores para humanos (imagem: Pixabay)
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O tratamento com um composto conhecido como TUDCA (sigla em inglês para
ácido biliar tauroursodesoxicólico) pode ajudar a equilibrar alterações no
comportamento alimentar e no peso corporal associadas à doença de Alzheimer,
melhorando a qualidade de vida, sugere pesquisa conduzida na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).
Experimentos com camundongos
mostraram que o TUDCA combate anormalidades metabólicas, reduzindo a ingestão
de alimentos e aumentando o gasto de energia, além de melhorar o quociente
respiratório – uma forma de quantificar o uso de carboidratos, proteínas e
lipídios pelo organismo na produção de energia, permitindo adequar a terapia
nutricional. O ácido atua no hipotálamo – região do cérebro que mantém uma
diversidade de conexões com outras partes do sistema nervoso central e tecidos
periféricos.
O TUDCA é um composto produzido pelo
fígado e armazenado na vesícula biliar que atua na digestão de gordura.
Atualmente é usado, principalmente, para o tratamento de doenças hepáticas.
O trabalho foi realizado em camundongos com um quadro semelhante ao
Alzheimer induzido pela injeção de uma substância chamada estreptozotocina
(Stz). No entanto, a professora do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) Helena
Cristina de Lima Barbosa destaca que os resultados
obtidos com os animais podem ser semelhantes em humanos.
“É possível que os mesmos benefícios também sejam observados em pacientes.
Levando em consideração dados clínicos já publicados, essa extrapolação pode
ser válida”, diz à Agência FAPESP a
orientadora da pesquisa, publicada na
revista Scientific Reports.
O estudo foi desenvolvido no Centro
de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Unicamp. É parte do
mestrado de Lucas
Zangerolamo, bolsista da Fundação.
“Observamos que os animais-modelo da
doença de Alzheimer apresentavam um comportamento alimentar alterado, associado
a um maior peso corporal e menor gasto de energia. Fomos tentar entender o que
estava envolvido nesse processo e avaliamos marcadores inflamatórios
diretamente associados à desregulação do hipotálamo. Detectamos um aumento
desses marcadores”, explica Zangerolamo.
Os cientistas utilizaram três grupos
experimentais: o de camundongos saudáveis tratados com placebo, o modelo de
Alzheimer (provocado pela injeção de estreptozotocina) que também recebeu
apenas placebo; e os animais modelo de Alzheimer que receberam TUDCA, uma vez
ao dia, com dose de 300 miligramas por quilo (mg/kg).
Em todos os experimentos, os grupos
de controle e de intervenção foram colocados nas mesmas configurações
experimentais por dez dias consecutivos. Durante esse período, ficaram
individualmente em gaiolas, e a ingestão de alimentos foi avaliada a cada dois
dias.
O grupo de pesquisadores investigou
as ações do TUDCA envolvidas na regulação do peso corporal e da adiposidade, já
que os efeitos desse ácido biliar no controle hipotalâmico ainda não haviam
sido explorados em casos de Alzheimer.
Os camundongos com modelo da doença e
tratados com TUDCA apresentaram menor ingestão de alimentos, maior gasto de
energia e quociente respiratório. No hipotálamo desses animais houve redução de
marcadores inflamatórios, além da normalização da expressão de hormônios
reguladores de apetite (neuropeptídeos orexígenos AgRP e NPY).
A sinalização de duas proteínas
(p-JAK2 e p-STAT3) induzidas pela leptina no hipotálamo dos camundongos foi
melhorada nos animais que receberam TUDCA. A leptina é um dos hormônios
secretados pelo tecido adiposo branco. Ela atua no hipotálamo, saciando a fome.
“A inflamação que leva ao
comportamento disfuncional pode estar associada ao hipotálamo. O TUDCA reduziu
a inflamação, melhorando a sinalização da leptina para induzir saciedade. Com
isso, o indivíduo reduz a quantidade de alimentos ingerida. Com o hipotálamo
menos inflamado, há também uma melhora no organismo como um todo”, explica
Barbosa.
Aumento
de casos
Estudo epidemiológico
divulgado em abril apontou que a proporção de pessoas com demência e a taxa de
mortalidade associada a essa condição aumentou mais de duas vezes no Brasil.
Até 2050, a doença de Alzheimer, responsável por sete em dez casos de
demência, pode quadruplicar na população brasileira. O trabalho foi publicado
na Revista Brasileira de Epidemiologia por
pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Queensland
(Austrália).
O estudo epidemiológico apontou ainda
que os pacientes com Alzheimer têm maior probabilidade de serem diagnosticados
com diabetes, depressão, Parkinson e acidente vascular cerebral em comparação
com adultos mais idosos sem esse diagnóstico.
A doença de Alzheimer, considerada
neurodegenerativa, é causada pelo acúmulo e depósito extracelular da proteína
beta-amiloide na área do cérebro chamada de hipocampo. Esse processo resulta em
morte neuronal, levando à deficiência de memória e declínio cognitivo
progressivo até a demência. O envelhecimento é o principal fator de risco.
Porém, anormalidades metabólicas e
não cognitivas, como alterações na ingestão alimentar e peso corporal, também
aparecem nesses indivíduos – e entre 50% e 60% dos casos de Alzheimer
apresentam distúrbios no comportamento alimentar.
Com isso, os pacientes normalmente
ganham peso, podendo chegar à obesidade e elevando o risco de diabetes,
hipertensão e colesterol alterado. O problema é que frequentemente esses
indivíduos apresentam resistência à insulina no sistema nervoso, bem como queda
na utilização da glicose pelos tecidos periféricos.
A obesidade é considerada um dos mais
graves problemas de saúde pública no mundo. De acordo com a Organização Mundial
da Saúde (OMS), a estimativa é que 2,3 bilhões de adultos estarão acima do peso
até 2025, sendo 700 milhões com obesidade (índice de massa corporal acima de
30).
Segurança
Resultados de estudos clínicos
realizados em pacientes com esclerose lateral amiotrófica (doença que também
afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva) já apontaram que o
TUDCA apresenta alto perfil de segurança em humanos, além de boa absorção após
administração oral.
No Alzheimer, outros trabalhos
mostraram que o tratamento com o ácido biliar reduz o acúmulo de placas de
beta-amiloide em camundongos, atenuando os danos ocasionados pela doença por
meio de um mecanismo ainda não totalmente elucidado.
Zangerolamo diz que agora o grupo de
pesquisadores está estudando os efeitos do TUDCA em modelos de camundongo senil
para avaliar se o resultado pode ser parecido com os já obtidos.
O artigo Energy homeostasis deregulation is attenuated
by TUDCA treatment in streptozotocin-induced Alzheimer’s disease mice model está
disponível em: www.nature.com/articles/s41598-021-97624-6?proof=t%2525C2%2525A0#Sec2.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
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