Horas
em frente a dispositivos móveis colocam em perigo a saúde neural das crianças
Pediatra explica quais são os estímulos
"arquitetos" essenciais para a saúde física, cognitiva, social e
emocional das crianças
Cada dia que passa, há
mais telas acesas nas mãos de crianças e adolescentes e elas chegam cada vez
mais cedo diante daqueles pequenos olhos atentos, às vezes, antes do bebê ter
um ano de idade. Isso coloca em risco as bases da humanidade: a linguagem, a
concentração, a capacidade de memória, a criatividade, a cultura (no sentido de
um agrupamento de conhecimento que permite pensar e compreender o mundo) e o
raciocínio, porque cada hora em frente ao celular é uma hora a menos brincando
com outras crianças e construindo "os espaços" onde poderia transitar
sabedoria.
"Uma infância
saudável, equilibrada, com adequado suporte nutricional, educacional, acesso a
saúde e, claro, brincadeiras, é o alicerce da formação de um ser social",
explica a pediatra Dra. Francielle Tosatti, da Sociedade Brasileira de Pediatria,
especialista em Emergências Pediátricas pelo Instituto Israelita Albert
Einstein, em São Paulo - SP.
A médica ressalta que
esses estímulos são os arquitetos da grande máquina que chamamos de cérebro.
"Esse órgão tão nobre, que nos destaca dos demais seres vivos, tem uma
capacidade ímpar de desenvolvimento na infância, devido a algumas
características inerentes à idade, como a sua plasticidade, ou seja, sua
capacidade de absorver informações, se moldar e estabelecer novas
conexões", indica.
"Daí, cada hora
que a criança passa em frente a uma tela, em uso recreacional, é uma hora a
menos que ela passa interagindo com o meio ambiente e com outras crianças. Cada
hora de mundo virtual é uma hora a menos de mundo real. Cada hora de contato
visual plano e instantâneo é uma hora a menos de textura, tato e
imaginação", explica a especialista em saúde infantil.
Há algum tempo,
estamos diante de uma geração de jovens que tem o Quociente de Inteligência
(Q.I.) inferior ao de seus pais. O assunto voltou à cena por conta da
publicação do livro A Fábrica de Cretinos Digitais, do neurocientista
Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França,
lançado em português. Ele apresenta, com dados concretos, como os dispositivos
digitais estão afetando seriamente - e de maneira negativa - o desenvolvimento
cognitivo de adolescentes e crianças.
Até recentemente,
vivíamos o "efeito Flynn", um aumento constante na média de acertos
nas provas de Q.I. em todo o mundo, muito provavelmente, graças a melhor
nutrição, avanços na saúde e na educação, e devido a ambientes mais
estimulantes.
No entanto, como
explica a Dra. Francielle, o olhar sempre atento aos smartphones,
computadores e televisores têm prejudicado o desenvolvimento neural, porque, de
uma forma ilustrativa, aqueles estímulos que chamamos de arquitetos
(alimentação, educação, saúde, artes, cultura, brincadeiras…), operam
construindo pontes, estradas, túneis por onde irão circular milhares de
informações, grandes ideias, lindas memórias, muitas emoções e descobertas.
"É a nossa inteligência, nosso Q.I.", alerta Francielle.
Como indica a recente
publicação do especialista francês, "nossos arquitetos estão ficando sem
tijolos, sem cimento, sem massa. O cérebro das crianças está ficando carente de
seus principais estímulos. Não está, portanto, se desenvolvendo ao seu máximo
potencial. Ao invés de grandes avenidas por onde circulariam informações que se
encontrariam em grandes ideias, estamos construindo uma rua sem saída",
lamenta a pediatra.
A médica aponta assim
um grande desafio: "Estamos criando e educando a primeira geração que já
nasce imersa na era digital e é preciso ponderar continuamente as vantagens e
os limites, orientar o uso adequado da tecnologia em cada faixa etária".
Segundo a especialista, "não haverá vilões nessa história, desde que haja
bom senso".
Dra. Francielle Tosatti - Graduada pela Universidade
Federal do Rio Grande - RS. - Residência Médica em Pediatria pela Universidade
Federal do Rio Grande - RS. - Título de Especialista em Pediatria pela
Sociedade Brasileira de Pediatria. -
Especialista em Emergências Pediátricas pelo Instituto Israelita Albert
Einstein. - Médica Emergencista da equipe do pronto-socorro e enfermaria do
Hospital Infantil Sabará.
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