Desde março de 2020, estudos e pesquisas estão sendo desenvolvidos em torno do novo coronavírus. Principais sintomas, tratamentos, medicamentos, prevenção, vacinas são os principais focos dos pesquisadores do mundo inteiro. O vírus pode se desenvolver dentro dos seres humanos em três estágios. A esmagadora maioria dos pacientes (cerca de 90%) terá apenas a infecção inicial que varia de pacientes assintomáticos até gripados. Neste estágio ocorre a replicação normal do vírus passível de ser detectado pelo exame PCR.
O segundo estágio (5% dos pacientes), denominado fase
pulmonar, é quando os pacientes já começam a apresentar quadro
de falta de ar, alterações radiológicas (comprometimento pulmonar) e
intensificação da multiplicação viral no organismo. E, por fim, o terceiro
estágio, a fase hiperinflamatória (5%). Nesse momento, os pacientes
evoluem para a chamada “tempestade inflamatória” que levam a quadros de
pneumonia grave, septicemia (complicação potencialmente fatal de uma infecção)
e necessidade de ventilação mecânica dentro de uma CTI.
O que os estudos estão revelando é que quanto maior
o avanço da doença e duração da internação hospitalar, maiores serão os riscos
neurológicos. Mas tudo isso, é claro, não impede que um paciente em estágio 1
da Covid-19 também apresente manifestações neurológicas a longo prazo. De
maneira geral, 20% a 70% dos pacientes apresentam algum tipo de sintoma
neurológico durante ou mesmo 6 meses após a infecção.
Isso significa que essas manifestações podem ser
desde os principais sintomas – dor de cabeça, náusea, vômitos e confusão mental
– até um possível AVC, demência e, em muitos casos, os principais transtornos
de humor.
Existem dois mecanismos pelos quais desenvolvemos
as principais manifestações neurológicas diante de um quadro de Covid-19:
- Neurorrespiratório: um simples ato de prender a
respiração pelo nariz e boca ou hiperventilar (respiração acelerada) é
suficiente para apresentar sensações estranhas que, em alguns minutos,
pode levar ao sufocamento e asfixia.
- Invasão
cerebral: causada
pelo sangue ou nervos, na forma de uma trombose, inflamação ou depleção
(perda) de neurotransmissores.
A questão é que a trombose, a inflamação e a
depleção podem ocasionar uma hipóxia cerebral (redução da oxigenação cerebral),
neurotoxicidade (alteração da atividade normal do sistema nervoso por causa de
substâncias tóxicas ou artificiais no cérebro) e a lesão tecidual. Tudo isso de
forma muito rápida e, na maioria das vezes, como processos irreversíveis.
Mas como o vírus entra no corpo humano?
As principais formas de um vírus entrar no corpo
humano são pela boca, nariz ou olho. Mas não para por aí. Após conseguir
adentrar a essas cavidades, o vírus possui estrutura suficiente para romper
barreiras e alcançar, em primeiro momento, o pulmão. É por isso que, durante o
diagnóstico da Covid-19, os profissionais de saúde utilizam os exames de imagem
para auxiliar no processo, pois eles são capazes de identificar o
comprometimento pulmonar do paciente. Em seguida, o vírus pode entrar em vasos
sanguíneos presentes no pulmão e, com isso, circular por todo o corpo humano.
A partir dessa fase, o corpo humano identifica a
presença deste corpo estranho (o vírus da Covid-19) e, com o objetivo de defesa
do organismo, provoca inflamações. Justamente são essas inflamações que podem
gerar micro tromboses e coágulos, que por sua vez causam lesões neurais,
reduzindo os neurotransmissores. Um estudo publicado pela Revista Lancet, este
ano, apresenta dados interessantes sobre isso. Ao entrevistar 236 mil pacientes
após seis meses de alta da Covid-19, identificou-se que grande parte deles pode
apresentar alterações como demência, problemas musculares, nos nervos e AVCs
hemorrágicos e isquêmicos. Casos raros, mas presentes. Porém, 25% evoluíram
para transtornos de humor pós-Covid-19, que os médicos ainda não sabem
explicar.
Vale destacar que o nariz também pode ser a porta
de entrada do vírus diretamente para o cérebro e, por isso, quem tem anosmia
(diminuição ou perda total do olfato) tem mais chance de desenvolver sintomas
neurológicos a longo prazo. Por fim, é importante destacar que ao mesmo tempo
que os genes são capazes de nos proteger, podem nos vulnerabilizar na Covid-19.
Podem regular a disfunção mitocondrial (usinas das nossas células), e o
paciente terá mais tromboses, inflamações e infecções. Mesmo assim, existem
pessoas que, infelizmente, vão a óbito pela doença, e no Brasil, já atingimos a
triste marca de 470 mil.
Então, vale lembrar que seis dimensões da saúde
precisam estar danificadas, simultaneamente, para que um quadro da Covid-19
seja fatal: estilo de vida, ambiente, comorbidades, genética do hospedeiro, genética
do vírus e imunogenética. Ainda que possamos ter estilo de vida
equilibrado, em um ambiente saudável e sem comorbidades, é a genética que pode
ser o grande vilão no combate à guerra contra a Covid-19.
Dr. Pedro Schestatsky - médico neurologista,
professor, pesquisador, palestrante e empreendedor de novas tecnologias em
Medicina, residente em Porto Alegre. Ficou nacionalmente conhecido após sua
palestra TEDMED ao argumentar que a tecnologia não irá substituir os médicos no
futuro, mas sim empoderar os pacientes para que se cuidem melhor de si mesmo.
Também é autor do recém best-seller “Medicina do Amanhã”.
Referência
Taquet et al. 6-month
neurological and psychiatric outcomes in 236 379 survivors of COVID-19: a retrospective cohort study using electronic
health records. Lancet Psychiatry. 2021 May;8(5):416-427.
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