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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Voto Feminino: mulheres ainda buscam plena emancipação na cena política


O 24 de fevereiro representa para as brasileiras o pontapé inicial das mulheres na conquista de seus direitos políticos e na igualdade de gênero. Foi nessa data, em 1932, que se permitiu a elas participarem da vida política do país por meio do voto. É verdade que, num primeiro momento, o sufrágio garantiu algum poder de decisão apenas às viúvas com renda própria e às mulheres casadas e autorizadas pelos maridos, todas escolarizadas e em geral brancas. As analfabetas, grupo em sua maioria formado por mulheres pretas, só conquistou esse direito em 1985. Passados quase 90 anos desde o decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, assinado por Getúlio Vargas, é válido o exercício de mensurar até que ponto as mulheres estão de fato inclusas no espaço político do país e a sua integridade participativa assegurada pelas instituições.

Segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do total de eleitores aptos a participar das eleições municipais de 2020, que eram de 147,9 milhões de pessoas, 52,5% eram mulheres. No entanto, para além do voto, é importante garantir a ela acesso aos canais de decisão, para participação efetiva na vida institucional. Essa participação não é um fim em si mesmo, mas um enriquecimento da democracia.

No âmbito dos Poderes da República, em especial no Executivo, as mulheres ainda são minoria. Nas últimas eleições municipais, por exemplo, foram eleitas 651 prefeitas (12,1%) e eleitos 4.750 prefeitos (87,9%) no país, conforme o Tribunal Superior Eleitoral.

Desde 2009, os partidos são obrigados a ter ao menos três mulheres para cada sete homens concorrendo às eleições. Além disso, a partir de 2018, as siglas precisam destinar, no mínimo, 30% do que recebem do fundo eleitoral às candidatas. Quem não cumpre essa regra pode ficar sem os recursos e ainda ter toda a chapa de vereadores cassada pela Justiça Eleitoral. Ainda assim a distância entre se candidatar e se eleger para elas continua abissal.

"O que vemos é que os partidos não estão verdadeiramente preocupados em promover igualdade de gênero e de raça. A cota de 30% de candidaturas só foi cumprida recentemente e ainda em meio a inúmeras denúncias de candidaturas- laranja", observa Hannah Maurici Aflalo, mestre em Ciência Política e cofundadora de A Tenda das Candidatas, projeto de atendimento voluntário para candidaturas e formação política. "Dentre as candidatas que atendemos n’A Tenda, o que mais vivenciamos foram promessas não cumpridas de financiamento e candidatas sendo totalmente negligenciadas pelos partidos", salienta a formadora política.

As mulheres que conseguem alguma viabilidade política dentro de seus partidos precisam ainda enfrentar as barreiras sociais e os estereótipos de gênero que se manifestam de maneira violenta, em especial na internet, como mostrou em novembro último, ao término do segundo turno das eleições municipais, o relatório do MonitorA, um observatório de violência política contra candidatas nas redes, da Revista AzMina e do InternetLab em parceria do Instituto Update.

O estudo monitorou a dinâmica do discurso de ódio no Twitter para homens e mulheres e concluiu que no primeiro turno as candidaturas femininas acompanhadas pelo observatório receberam, em média, 40 xingamentos por dia. A análise do discurso mostrou que mulheres foram atacadas com termos ofensivos relacionados aos seus atributos físicos, assédio moral, sexual e intelectual, descrédito, gordofobia, transfobia e racismo, enquanto homens foram ofendidos por trabalhos ou posicionamentos específicos.

Na ocasião, as mulheres mais atacadas foram as então candidatas à prefeitura de São Paulo, Joice Hasselmann (PSL); de Porto Alegre, Manuela D´Ávila (PCdoB); e do Rio de Janeiro, Benedita da Silva (PT).

Caso singular trazido pelo MonitorA foi o ataque sofrido pela então candidata à prefeitura de Ribeirão Preto Suely Vilela (PSB). A professora universitária foi chamada de "arrogante" por um usuário no Twitter por ter no currículo o cargo de reitora na Universidade de São Paulo (USP). Vilela foi a primeira mulher a ocupar a posição nos 71 anos de existência da universidade. Em outras palavras, a professora foi considerada segura de si demais, em vez de qualificada para o cargo.

Para Hannah Maurici Aflalo, são os estereótipos de gênero, ou seja, as caraterísticas e papéis atribuídos a cada um dos gêneros que contribuem para a ideia de que a política é um lugar inóspito para mulheres. "As mulheres crescem sendo convencidas de que não são boas para ocupar esses espaços e o eleitorado é educado de forma a cumprir essa falsa afirmação", diz a cientista. E acrescenta: "É preciso investimento em formação política dentro dos partidos e para a sociedade como um todo, de forma a descontruir os estereótipos e a cultura machista e de ódio às mulheres, às pessoas negras, aos LGBTQIA+ e aos corpos divergentes para que a entrada na política não seja considerada uma ameaça, mas um direito".

Mestre em Ciência Política pela USP e pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Beatriz Rodrigues Sanchez dia que "a violência política e de gênero é uma grave ameaça ao regime democrático. Com o tímido aumento da participação das mulheres na política no Brasil, houve também o aumento desses casos. É preciso que as instituições criem mecanismos eficazes de fiscalização e aplicação de penalidades, a fim de prevenir e combater esse tipo de violência".

Apesar desses obstáculos, o último pleito eleitoral, realizado em 2020, as urnas deram uma sacudida no sistema majoritariamente formado por homens, em geral mais velhos, ricos, brancos e heterossexuais. Mulheres negras, pessoas transexuais, indígenas e quilombolas conquistaram vitórias sem precedentes para as Câmaras de Vereadores espalhadas pelo país. Em São Paulo, Erika Hilton (PSOL), conquistou mais de 50 mil votos e, aos 27 anos, tornou-se a mulher mais votada entre os eleitos para a vereança na cidade de São Paulo.

Mas a trajetória das mulheres no Legislativo não é tranquila. "Elas são silenciadas o tempo todo dentro do Parlamento. As parlamentares mães não contam com uma estrutura adequada para o cuidado com os filhos", afirma Sanchez.

Exemplo máximo de violência política de gênero dentro de uma casa parlamentar foi sofrido recentemente pela deputada estaduale advogada feminista,

Isa Penna (Psol), na Assembleia Legislativa. Eleita em 2018 com 53.838 votos, a deputada foi vítima de assédio e importunação sexual. Ela teve o seio apalpado pelo deputado Fernando Cury. Cury é alvo de um processo de expulsão no seu partido, o Cidadania, de uma representação no Ministério Público por importunação sexual e ameaçado de cassação pelo Conselho de Ética da Alesp.

É inegável que a conquista de 1932 abriu portas e garantiu avanços às mulheres brasileiras, mas os dados e as análises das cientistas políticas entrevistadas pela reportagem da CAASP demonstram que ainda há um amplo caminho a ser trilhado pelas mulheres na política. Enquanto isso não ocorre, toda a sociedade perde. Afinal, escreveuo filósofo e economista político francês Charles Fourier no início do século XIX: "O grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede a emancipação geral de um povo".

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