“O problema é que hoje existem esses movimentos feministas.” O que o jogador Robinho, condenado por estupro de vulnerável na Itália, quis dizer com essa infeliz colocação?
Com
a contratação do jogador Robinho pelo Santos Futebol Clube – posteriormente
suspensa -, parte da sociedade relembrou do crime de estupro ocorrido na
Itália, estupro coletivo do qual o jogador havia sido partícipe, inclusive
condenado em 1ª Instância a nove anos de prisão, cujo deslinde do processo
aguarda julgamento de recurso.
Há
dois meses, o caso que repercutiu sobre o tema estupro foi o da menina de 10
anos que engravidou do tio que a estuprava desde os 6 anos. Neste, o debate
fugiu do contexto do estupro para o direito ou não de uma criança de 10 anos
interromper uma gravidez indesejada fruto de uma violência brutal, iniciada
quando a vítima tinha apenas, repita-se, 6 anos.
Mais
uma vez a sociedade se divide. Mas, agora, porque uma parte insiste em tratar
um condenado por estupro como vítima da situação e buscam encontrar mil e um
motivos para justificar tamanha inversão de valores.
Nesse
atual caso, o estupro do qual se fala não é de uma criança, mas de uma mulher
adulta, que estava numa boate, bebendo e se divertindo com as amigas. E o que
muda? A resposta exata é nada! Ambos os casos tratam-se de estupro de
vulnerável e ambos os casos devem ser tratados com a mesma gravidade, atenção e
atuação do Poder Judiciário.
Independentemente
das diferenças existentes entre os casos, o que se leva em consideração para o
julgamento no Brasil da existência ou não do crime de estupro de vulnerável é a
incapacidade da vítima e, consequentemente, a inexistência de consentimento.
De
acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro, estupro é crime e consiste
em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Já o artigo 217-A do Código Penal, quando o estupro é cometido contra pessoa
menor de 14 anos, ou portadores de enfermidades ou deficiências mentais, ou
que, por qualquer outro motivo, tenham sua capacidade de resistência diminuída,
trata-se de estupro de vulnerável.
Na
Itália, país onde ocorreu o estupro que vincula o jogador Robinho à prática do
crime, o sentido da norma penal que trata do estupro e do estupro de vulnerável
não diverge do Brasil.
De
acordo com o Artigos 609 bis do Código Penal Italiano, qualquer um, com
violência ou ameaça ou mediante abuso de autoridade, obriga outro a ter ou
sofrer atos sexuais é punido com a reclusão de cinco a dez anos e ainda, (1)
quem induz alguém a ter ou sofrer atos sexuais está sujeito à mesma pena quando
aproveita das condições de inferioridade física ou psíquica da pessoa ofendida
no momento do fato.
O
caso Robinho foi julgado como estupro de vulnerável, ou seja, induzir alguém a
ter ou sofrer atos sexuais aproveitando das condições de inferioridade física
ou psíquica da vítima, nesse caso decorrente da situação que se encontrava de
vulnerabilidade em razão do consumo excessivo de álcool.
O
fato do processo não ter transitado em julgado na justiça italiana, ou seja,
não ter encerrado completamente por estar pendente julgamento de recurso, não
pode ser justificativa para minimizar as consequências decorrentes dos atos que
o jogador praticou.
Como
se verifica no processo italiano, a condenação do jogador em primeira instância
demonstra que até o momento ele não conseguiu provar sua inocência, ou seja,
para todos os efeitos, até o presente momento ele é culpado pelo crime de
estupro e, dificilmente, a decisão será modificada, afinal, as gravações
apresentadas como prova demonstram que ele tinha ciência que a vítima estava
alcoolizada e ainda assim, sabendo da vulnerabilidade dela, induziu a sofrer
atos sexuais.
De
acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, publicado
recentemente, apenas no 1º semestre desse ano foram registrados 8.182 casos de
estupro e 17.287 casos de estupro de vulnerável, totalizando 25.469 casos no
Brasil e, embora este número represente uma queda de aproximadamente 22% se
comparado com o mesmo período do ano anterior, são dados alarmantes que
necessitam urgentemente de especial atenção dos três Poderes - legislativo,
executivo e judiciário.
Nesse
caso específico envolvendo o jogador Robinho, o que causa espanto é o grau de
desinformação da sociedade e, principalmente, daquele que cometeu o crime. As
gravações que serviram de provas contra o jogador e os demais acusados no
processo na justiça italiana demonstram o total desconhecimento da lei e, ainda
mais, do aspecto moral que permeia a legislação. Para ele, o jogador condenado
por estupro de vulnerável, a felação ou sexo oral não é ato sexual e a
embriaguez implica no descrédito da vítima.
Todas
as atitudes do jogador, desde os primeiros atos cometidos em janeiro de 2013,
quando ocorreu o estupro, até recentemente, quando disse que o problema são os
movimentos feministas, só demonstram que ignorância e machismo sempre
caminharam juntos.
Se
não houvesse os movimentos feministas, muito mais mulheres estariam apanhando
caladas, casos de feminicídio estariam sendo taxados como crime contra a honra,
os estupros estariam ocorrendo como se fosse direito do homem ver a sociedade
calada diante de tal atrocidade.
Talvez
fosse esse o significado que Robinho, o jogador condenado por estupro de
vulnerável na Itália, quis dar à frase citada lá no início do texto: “se não
houvesse movimento feminista todo homem poderia estuprar à vontade uma mulher
bêbada e ninguém o condenaria por isso.”
Infelizmente,
há tanta gente na contramão dos valores, do certo, do coerente, tentando fazer
a defesa do jogador. Quanta ignorância, quanta falta de informação, quanta
falta de respeito, quanta pequenez do ser humano. Ao menos há também quem, do
outro lado, pense: ainda bem que o feminismo existe!
Mayra Vieira Dias - advogada, sócia do escritório
Calazans e Vieira Dias, líder local do Projeto Justiceiras e Idealizadora do
instagram @advogadacomproposito
Nenhum comentário:
Postar um comentário