Na conjuntura atual, alguns pontos sobre os atos processuais
em formação e aplicabilidade do Código revogado, seguindo a garantia
constitucional da isonomia, precisam ser observados.
1. É indiscutível a aplicabilidade imediata do novo Código de
Processo Civil, com o óbvio respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada (Constituição Federal, art.5º, inciso
XXXVI ).
2. Também não se discute a imunidade dos atos processuais
perfeitos ou consumados face à lei nova, considerado o princípio do isolamento dos atos processuais (referência
normativa às situações jurídicas já consumadas). A
habitual clareza do professor Cândido Rangel Dinamarco elucida o tema
definitivamente:
"Com relação ao processo civil
a problemática do direito intertemporal concentra-se na definição de atos
futuros a serem realizados em processos pendentes no momento de vigência da lei nova. Essa problemática liga-se à natureza dinâmica e
evolutiva do procedimento e da relação processual. Embora o processo seja
um só e o mesmo do início ao fim, o procedimento em que se exterioriza é
composto de inúmeros atos e variadas fases que se sucedem no tempo. Com a
realização de atos e ocorrência de fatos ao longo do procedimento que vai da
propositura da demanda inicial até a sentença que põe fim a ele novas situações
jurídicas vão se criando e se extinguindo. Essas situações caracterizam-se como direitos processuais adquiridos, tomada essa locução no amplíssimo sentido
tradicional de situações jurídicas
consumadas." (cf.
"Instituições", 8a. ed., pg. 184). Acrescentemos: atos do processo
que não têm narrativa própria, são atos jurídicos, como
tais agregados ao tronco mais arcano e longevo da floresta jurídica, batizado
de direito civil ("ius
civile"). Em seu terreno os atos, simples e complexos, criam, modificam e
matam direitos, enquanto suas doenças são tratadas e criteriosamente cuidadas.
3. Corolário desse entendimento doutrinário unanimemente
acolhido pela jurisprudência decorre de fato processual contrário, é dizer, ao
ato processual ainda não aperfeiçoado quando do momento da entrada em vigor da
lei nova, ou de situação jurídica ainda não
consumada, a nova lei é inaplicável. Não se confundam os
fenômenos. Falamos de atos e, não, de fases
processuais. Quanto a estas, a nova lei exerce sua autoridade
de eficácia imediata.
4. Ocorre que, nessa evolução dinâmica, temos atos
processuais simples (a citação do réu, por exemplo) e atos processuais
complexos (as sentenças e os acórdãos, e.g) . Esses
últimos não podem ser cindidos sob o pálio de duas ou mais normas jurídicas,
sob pena de nulidade. Logo, enquanto não aperfeiçoados esses atos,
suspensos por alguma razão, como é frequente nos acórdãos, não há que se
cogitar da aplicação da lei nova. O império normativo continua a ser o da norma
revogada, até porque a parte ficou investida de direito adquirido ao tratamento
uniforme, segundo a clássica definição de GABBA: direito integrado ao
patrimônio do sujeito porém não exercido ao tempo da lei ultrapassada ( Carlo
Franceso Gabba, "in" "Teoria della Retroattivitá delle
Leggi", Torino, 1891).
A Súmula nº 513 do E. Supremo Tribunal Federal exemplifica o
ato processual uno e complexo, no passo em que mais de uma decisão são
proferidas no julgamento, complementarmente. Veja-se: "A decisão que enseja a disposição do
recurso ordinário ou extraordinário não é do Plenário, que resolve o incidente
de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito." (Sessão
Plenária de 31/12/1969).
5. Destarte, se o julgamento de um acórdão de mérito foi
suspenso, porquanto admitida uma das prejudiciais da ação (decadência, e.g.), porém afastada, em sede
recursal, o processo retorna à origem para julgamento do mérito: significa o
fenômeno que não há falar-se em ato isolado concluído ou situação jurídica consumada. A fortiori,
o julgamento do mérito há de seguir o mesmo regramento do julgamento da
prejudicial, em face da inconclusividade de um ato complexo.
6. Volvendo à pauta o julgamento de mérito, parece-nos, permissa concessa, induvidosa
a aplicabilidade da lei antiga a ato processual que se irá aperfeiçoar.
7. Da premissa exsurge o afastamento de quaisquer institutos
pertencentes ao Código de Processo Civil de 2016, como, por exemplo, a nova
técnica de julgar (CPC, art. 942), quando se tem votação não unânime,
recentemente prestigiada por precedentes do Colendo STJ, consistente em
ampliação, ou desmembramento (sic) do quórum
julgador, em ordem quantitativa a permitir-se eventual modificação do
julgamento majoritário.
8. Cumpre, por fim, invocar a supremacia da Constituição
Federal, posta a subordinar as regras de sobre direito da lei
infraconstitucional. Suponha-se decisão primeira, relativa à decadência, não
unânime. Sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, como é óbvio, não
se cogitou da nova técnica, em benefício do vencedor. Suponha-se que também o
julgamento "de meritis" se deu por maioria; a exigência da nova
técnica implicaria em derrocada do princípio basilar de igualdade das partes no
processo (CF, art. 5º, "caput" e inciso I), em detrimento do direito
adquirido do vencedor final a tratamento isonômico. A ele se teria imposto a
ampliação do colegiado, dispensada ao adverso, no bojo de um mesmo e
isolado ato processual.
9. São cautelas hermenêuticas imprescindíveis ao processo
civil justo e constitucionalizado.
Amadeu Roberto Garrido de Paula - advogado,
há mais de 40 anos, e se dedica à defesa de causas relacionadas à Justiça do
Trabalho, Direito Empresarial e Sindical e Direito Constitucional. Fundador do
escritório Garrido de Paula Advocacia, situado na cidade de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário