O
debate sobre antimicrobianos na agropecuária se conecta de forma cada vez mais
nítida à agenda ambiental e climática. Sistemas produtivos que dependem fortemente
de insumos químicos e medicamentos tendem a ser mais vulneráveis, menos
eficientes e mais poluentes. As discussões da COP30, encerrada em 22 de
novembro, ofereceram uma oportunidade renovada de trazer o tema para o centro
da agenda climática e trouxeram ênfase na defesa por transições justas e
inclusivas, que levem a uma só saúde, considerando novas promessas de
financiamento e propostas de mecanismos globais para restaurar terras
degradadas.
Divulgação
Segundo
alerta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO) os sistemas agroalimentares continuam recebendo apenas uma fração do
financiamento climático necessário. No Brasil, o setor pecuário enfrenta
pressão crescente para adotar modelos de baixa emissão, como pecuária
regenerativa, maior eficiência alimentar e melhor monitoramento ambiental, além
de avançar em sistemas agroflorestais e práticas que integrem saúde animal e
adaptação climática.
Falar
sobre sustentabilidade na pecuária é também falar sobre sanidade, bem-estar e
uso responsável de antimicrobianos. A transição para sistemas mais saudáveis,
baseados em prevenção e não em correção, está diretamente ligada à capacidade
de adaptação da agropecuária às mudanças climáticas. A Semana Mundial de
Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana também se encerrou
recentemente, em 24 de novembro, e agora temos uma oportunidade de juntar as
duas agendas para facilitar os avanços necessários na agropecuária brasileira.
O
uso de antimicrobianos na produção animal tem se tornado um dos temas mais
sensíveis e estratégicos da agropecuária moderna. O que antes era visto como
ferramenta essencial para garantir produtividade e prevenir doenças, hoje é
questionado por seus impactos na saúde pública, no meio ambiente, na imagem e
até mesmo na resiliência do setor quando se pensa em resistência aos
antimicrobianos. No Brasil, embora o tema tenha ganhado força nas políticas
públicas e nas discussões setoriais, ainda há desafios importantes a serem
superados para reduzir o uso excessivo e avançar na transparência dos dados.
A
produção intensiva de suínos, aves e bovinos geralmente envolve alta densidade
de animais e forte pressão sanitária, o que historicamente levou ao uso
preventivo de antimicrobianos e, em alguns casos, ao emprego desses produtos como
promotores de crescimento. Apesar dos avanços, muitas empresas ainda mantêm
práticas profiláticas e poucas adotam planos de redução gradual. Paralelamente,
o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) vem ampliando o monitoramento e
incentivando o uso racional, por meio de diretrizes e de sistemas como o
AgroMonitora, que consolida dados nacionais sobre a comercialização de
antimicrobianos veterinários.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS) recomendam que antimicrobianos de importância crítica para a medicina
humana não sejam usados em animais saudáveis. Países da União Europeia
proibiram o uso como promotor de crescimento desde 2006, e o mercado
internacional vem impondo restrições cada vez maiores. No Brasil, programas de
exportação e grandes redes varejistas começam a exigir comprovação de práticas
mais responsáveis. É um movimento que alia ciência, segurança e reputação.
Uma
resposta promissora para essas questões vem de uma fonte muitas vezes
subestimada – o bem-estar animal. A relação entre antimicrobianos e bem-estar é
direta como animais criados em ambientes confortáveis, ventilados, com espaço
adequado, enriquecimento ambiental, nutrição balanceada e manejo cuidadoso e
que adoecem menos. Modelos produtivos com melhor bem-estar conseguem reduzir a
dependência de insumos químicos e antimicrobianos, preservam os recursos
naturais e se tornam mais resilientes, éticos e competitivos.
Por
isso, promover o bem-estar animal não é apenas uma questão ética, mas também
uma estratégia sanitária e econômica. A combinação de práticas de BEA,
monitoramento comportamental e de saúde, biosseguridade adequada e protocolos
eficazes de limpeza e desinfecção é complementar e essencial para reduzir o uso
de antimicrobianos. Isso é especialmente relevante porque resíduos de
antimicrobianos podem contaminar solos e corpos d’água, favorecendo o
surgimento de bactérias multirresistentes – um dos maiores riscos à saúde
global.
Para
o Brasil, esse é um momento estratégico. Somos um dos maiores produtores e
exportadores de proteína animal do mundo e, portanto, temos peso e
responsabilidade na definição de padrões sustentáveis globais. Investir em
bem-estar animal, biosseguridade e inovação para reduzir o uso de
antimicrobianos não é apenas uma questão de conformidade regulatória, é uma
aposta em reputação, acesso a mercados estratégicos e segurança alimentar de
longo prazo.
O
futuro da produção animal será medido não apenas pela quantidade que
produzimos, mas pela forma como produzimos. Sistemas que colocam o bem-estar no
centro e reduzem a dependência de antimicrobianos são mais alinhados às
demandas do século 21: transparência, saúde, clima e ética. A COP30 pode e deve
ser um ponto de virada nessa narrativa, consolidando o Brasil como líder na
construção de uma agropecuária verdadeiramente sustentável – capaz de alimentar
o mundo sem comprometer o futuro. Além disso, chegou a hora de o setor de
proteína animal se unir para trabalhar de forma mais focada e estratégica a fim
de acelerar os avanços em BEA, um propósito que levou à criação da Colaboração
Brasileira de Bem-Estar Animal (COBEA) em 2024.
Nenhum comentário:
Postar um comentário