Pesquisa do ICB-USP identifica relação entre falhas respiratórias e sono e aponta estimulação cerebral seletiva como alternativa promissora.
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) descobriram
um possível caminho para tratar déficits respiratórios em pacientes com Doença
de Parkinson – um sintoma pouco estudado, mas que pode levar a complicações
graves, como pneumonia, uma das principais causas de óbito nesses pacientes.
Embora as dificuldades motoras sejam as manifestações mais conhecidas da
doença, a pesquisa revelou que problemas respiratórios também ocorrem,
especialmente durante o sono – que ainda não possui um tratamento eficaz. O
estudo, publicado na revista iScience,
mostrou que a estimulação seletiva de um núcleo cerebral foi capaz de reverter
essas falhas respiratórias em camundongos, apontando para novas possibilidades
terapêuticas.
"As
complicações respiratórias no Parkinson geralmente surgem em estágios mais
avançados da doença e, por isso, são menos exploradas. Mas elas têm um impacto
significativo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes", explica
a professora Ana Carolina Takakura, coordenadora do estudo. "Nosso
objetivo foi entender quando essas alterações acontecem e se há uma forma de
revertê-las. Descobrimos que elas ocorrem exclusivamente durante o sono, e
conseguimos restaurar a função respiratória nos camundongos estimulando
seletivamente um grupo específico de neurônios."
Coordenado
pela professora Takakura, do Departamento de Farmacologia do ICB-USP, o
Laboratório Controle Neural Cardiorrespiratório dedica-se há mais de 10 anos ao
estudo de problemas respiratórios causados pelo Parkinson. Sua prevalência está
relacionada com os casos de pneumonia, uma das principais causas de óbito de
pacientes. “Minha formação, desde o doutorado, tem sido voltada para o controle
neural da respiração. Quando comecei a estudar o Parkinson, minha pergunta
fundamental era: será que, além das regiões do cérebro responsáveis pelos
movimentos, as áreas que controlam a respiração também se degeneram?”, explica
a pesquisadora.
Ao
longo dos anos, os resultados mostraram que sim: em animais — ratos e
camundongos — submetidos ao modelo experimental da doença, há uma redução na
frequência respiratória, além da degeneração de alguns núcleos específicos que
controlam a respiração. O grande avanço do novo estudo, liderado pela
pesquisadora Nicole Miranda, foi observar a relação de tudo isso com o sono.
“Apneias
respiratórias são uma consequência comum da Doença de Parkinson: afetam, junto
de outras alterações no sono, cerca de 70% dos pacientes. E, apesar de serem
classificadas dentro de estudos do sono, as apneias também são um problema
respiratório”, explica Takakura. Foi dessa intersecção, notada por Miranda
durante seu doutorado, que surgiu a ideia de investigar se as alterações
respiratórias observadas nos estudos anteriores possuíam alguma relação com o
ciclo de sono. Antes, não se sabia se as mudanças na respiração aconteciam
quando o animal estava acordado ou dormindo. Os camundongos estudados podiam
dormir durante os registros, mas esse fator não era monitorado diretamente.
“Foi algo que nunca havíamos medido antes. Com os novos experimentos,
conseguimos finalmente estabelecer essa relação, o que abriu uma nova
perspectiva para os estudos”, diz Takakura.
O
primeiro passo de Miranda foi mapear, por meio de eletroencefalogramas e
eletromiografias, as fases de sono dos camundongos e, paralelamente, observar a
respiração dos animais. O estudo diferenciou as fases de sono R.E.M (movimento
rápido dos olhos) e não R.E.M, que têm características distintas em termos de
atividade cerebral e tônus muscular. O que foi constatado é que as alterações
na respiração observadas em estudos anteriores não só eram mais expressivas
durante o sono, como aconteciam exclusivamente nesse estado. Além disso, foi
analisada a quantidade de episódios de apneia, que também foi maior enquanto os
animais dormiam.
Com
essa informação em mãos, buscou-se investigar possibilidades terapêuticas por
meio do estímulo seletivo de algum núcleo do cérebro. “Escolhemos o núcleo
tegmental látero-dorsal, também chamado de LDT, por ser um núcleo conhecido por
sua correlação forte tanto com o sono quanto com a Doença de Parkinson e que,
além disso, também se projeta para as regiões respiratórias”, explica a
professora.
Para
realizar esse estímulo, foi injetado um vírus no núcleo LDT, fazendo com que os
neurônios desejados dessa região passassem a expressar um receptor — ou seja,
deixando-os “capazes de serem estimulados seletivamente”. Depois, foi aplicado
um fármaco, capaz de se ligar exclusivamente ao receptor e que foi responsável
por provocar os estímulos nesses neurônios. Dessa forma, as alterações
respiratórias foram revertidas, bem como o aumento na quantidade de apneias. “O
núcleo LDT também sofre perda de neurônios devido à Doença de Parkinson, mas
vimos que mesmo o estímulo dos neurônios restantes foi suficiente para tratar
problemas respiratórios”, diz Takakura.
Denominado
quimiogenética, o método ainda é pouco acessível e restrito às pesquisas
clínicas, mas pode ser uma possibilidade futura para tratamentos. Segundo a
professora, existem, atualmente, outras possibilidades terapêuticas de estímulo
cerebral, mas que afetam regiões inteiras e não apenas tipos de neurônios
específicos. “Não sabemos se uma estimulação geral teria o mesmo efeito, é algo
a ser investigado. De qualquer forma, a estimulação seletiva é sempre melhor,
pois elimina efeitos adversos. Existem estudos trabalhando para viabilizar uma
estimulação seletiva, e quando isso acontecer, será um grande passo para o
tratamento dos sintomas do Parkinson.” Ela ainda aponta que o metabólito
clozapina-N-oxide (CNO), que é gerado a partir de uma substância injetada e
atua ativando seletivamente os neurônios modificados no experimento, ainda
precisa ser melhor estudado quanto à segurança e eficácia em humanos.
Hoje, um dos tratamentos para o Parkinson é a estimulação cerebral profunda, utilizada para melhorar os sintomas motores da doença. No entanto, essa abordagem não trata diretamente as alterações respiratórias, que continuam sem uma solução terapêutica eficaz.
Para o futuro, Takakura pretende caracterizar as alterações de sono em humanos, em uma parceria com o Instituto do Coração (InCor) e com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
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