quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Estudos em neurocirurgia avaliam riscos cerebrais em jogadores e apontam a importância de repensar o futebol sem os passes de cabeça

 Neurocirurgião Feres Chaddad explica como a prática impacta o cérebro e os caminhos para a prevenção 

 

O futebol é considerado uma indústria global, que tem mais de um quarto de bilhão de participantes ativos, o que o torna o esporte de participação mais popular do planeta. Por essa razão, mais do que um fenômeno que movimenta grande parte do mundo, a chegada da copa é também um momento propício para repensar algumas dessas práticas esportivas. Os passes de cabeça, conhecidos popularmente no meio como "cabeceadas", têm chamado atenção de pesquisadores. Estudos científicos apontam que esta tática gera risco de danos cerebrais a longo prazo em jogadores.

Um relatório britânico apresentado no Journal of Neuropsychology* acompanhou 26 atletas aposentados, com idade média de 60 anos. Os participantes passaram por ressonâncias magnéticas, tomografias, eletroencefalogramas (mapeando a atividade elétrica cerebral) e avaliações neuropsicológicas, observando o desempenho cognitivo. Os resultados dos exames dos antigos jogadores tiveram alterações importantes nas estruturas cerebrais quando comparados aos de pessoas que nunca jogaram futebol, sendo uma delas o risco maior de encefalopatia traumática crônica.

"A encefalopatia traumática crônica é uma degeneração progressiva de células cerebrais provocada por diversas e repetidas lesões na cabeça. Esse problema pode causar diminuição de memória, lentidão em pensamentos e ações, além de, em casos mais avançados, doença de Parkinson. No caso do futebol, sabemos que o cabeceio' da bola faz parte das jogadas. No entanto, há evidências que apontam que, ao longo dos anos, é possível que esses impactos repetitivos no crânio elevem as chances de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, especialmente entre os jogadores com carreiras mais longas e aqueles que jogam em posições com a maior probabilidade de impacto na cabeça", explica o Neurocirurgião Dr. Feres Chaddad, Professor e Chefe da disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP e Chefe da Neurocirurgia da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Diante desses indicativos, a Associação de Futebol (FA) da Inglaterra anunciou um julgamento para limitar e desestimular esse tipo de passe nas escolas de futebol e partidas para atletas com menos de 12 anos. A iniciativa tem objetivo de reduzir impactos e riscos desnecessários na cabeça, visto que nessa faixa etária (até os 12 anos), o cérebro ainda está em desenvolvimento (córtex pré-frontal, relacionadas às emoções, sociabilidade e capacidade de regeneração), o que o deixa suscetível a danos futuros.
 

Buscar novas estratégias, mais seguras e menos danosas, é o caminho para a prevenção 

Além de ser um dos esportes mais populares, o futebol também é um dos que mais investem em tecnologia na atualidade. Jogadores, sobretudo de times maiores, são cada vez mais estudados e acompanhados, assim como contam com partidas filmadas para que possam avaliar os erros e melhorar a sua performance. A partir desse movimento, existe finalmente a possibilidade de reavaliar as práticas esportivas e os passes, procurando estratégias que sejam mais seguras e menos danosas, a curto e a longo prazo, sem perder os potenciais benefícios para a saúde física e mental que o esporte oferece.

Outras intervenções mais amplas para preservar a saúde do cérebro não devem ser esquecidas. É isso que orienta o artigo "Heading in the right direction" da revista Nature*, publicado em agosto de 2022. Segundo o estudo, apesar dos esportes serem ótimos para o físico, para o emocional, para o cérebro e para o desenvolvimento humano em diversos aspectos, exercitar a atividade cerebral de outras maneiras, por meio de atividades intelectuais, é de extrema importância para auxiliar na prevenção às demências e outros acometimentos neurológicos.

"Para um ex-atleta, que está apresentando problemas cognitivos em seus 40 ou 50 anos, a possibilidade de neurodegeneração deve ser considerada. Por isso, é muito importante que os órgãos reguladores do futebol reconheçam que há uma necessidade de repensar maneiras de conseguir preparar os jogadores, prevenindo potenciais riscos à sua atividade cerebral. O uso da tecnologia a favor da saúde e da qualidade de vida dos atletas é um excelente caminho para a evolução do esporte como um todo. Além disso, o foco não deve ser apenas na projeção dos traumatismos cranianos, mas também em abordagens que olhem para outros fatores de risco modificáveis, como a manutenção do peso corporal e exercícios após pararem de jogar futebol; evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool; realizar triagens neurológicas e o acompanhamento médico anual; entre outros", finaliza Feres.
 

Referências 

1: Link

2: Link
 

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