Como resolver esta emblemática questão?
Nos últimos dias, o processo
de compra da vacina Covaxin tem ocupado a manchete de toda a imprensa, gerando
muitas dúvidas na população, inclusive questionamentos quanto à postura e ética
do Executivo Nacional, na condução do tumultuado cenário de compras de vacinas
pelo Brasil, que exigia brevidade nas negociações, entrega rápida das vacinas e
transparência nos gastos públicos.
Para contribuir com o debate
acerca da possível compra da vacina Covaxin, especificamente, vamos nos
debruçar sobre três questões importantes que julgo necessárias para esclarecer
os fatos.
- Primeiramente é mister
indagar: foi fechado ou não a contratação da compra da vacina Covaxin por parte
do governo federal com a empresa Precisa–Comercialização de Medicamentos Ltda?
-
Na sequência, vem a seguinte dúvida: em caso positivo essa
contratação gerou gastos para a Administração Pública?
- E por último, se gerou
gastos o que fazer agora?
Em busca da verdade,
adotamos como base o Direito Financeiro e mais precisamente na Lei 4320/64 que
rege a Contabilidade Pública no Brasil, e que estabelece, entre outros, normas
para a execução orçamentária de todos os entes da federação.
A vacina Covaxin teve sua
compra intermediada pela Precisa Medicamentos, ao custo de 15 dólares por dose,
segundo informações do próprio Ministério da Saúde, caracterizando-se como o
imunizante mais caro que seria adquirido pelo governo brasileiro. E esta também
foi a única negociação indireta, ou seja, não foi realizada diretamente com o
laboratório fabricante.
Ora, o contrato previa a
entrega das doses em cinco etapas de 4 milhões de reais, com datas previstas
entre 17 de março e 6 de maio de 2021. Por sua vez, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária - Anvisa só iria aprovar a importação excepcional da
Covaxin em 4 de junho do mesmo ano, o que já gera uma discrepância de datas.
Contudo, até o momento, nenhuma dose foi entregue ao governo brasileiro e, por
consequência, nenhum pagamento foi realizado.
E
é justamente essa a argumentação do governo federal para rebater as acusações
de irregularidades, contudo, existe um cenário meio nebuloso em todo esse
processo.
Para
respondermos à primeira questão acessamos o Portal da
Transparência do Governo Federal (http://www.portaltransparencia.gov.br/) e verificamos que o Ministério da Saúde, emitiu a
nota de empenho, 2021NE000121, em 22.02.2021 no valor de R$1.614.000.000,00 (um
bilhão, seiscentos e quatorze milhões de reais), em favor da empresa Precisa –
Comercialização de Medicamentos Ltda, com o objetivo de atender despesas com
aquisição de 20.000.000 (vinte milhões) de doses da vacina
Covid-19-Covaxin/BBV152.
Analisando
o art. 58 da Lei 4320/64, verificamos que antes da emissão da Nota de Empenho é
obrigatória uma autorização da autoridade competente, para que a despesa seja
realizada, conforme diz o referido artigo “Empenho de despesa é o ato emanado
de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento
pendente ou não de implemento de condição (GN)”.
Apenas
depois desse ato é emitida a NE (Nota de Empenho), que a doutrina entende como
primeiro estágio da despesa, conforme dispõe o art. 61 da mesma lei, que
corresponde à materialização da contratação da empresa, independente ou não de
implemento de condição.
Desta
forma salientamos que a partir do momento em que houve a emissão da Nota de
Empenho, houve o compromisso do governo federal com a empresa em questão de
realizar o pagamento dos valores compromissados, caso houvesse o recebimento
das 20.000.000 doses de vacina contra a Covid-19, conforme contratado.
Superada a primeira questão
passemos à segunda, em caso positivo essa contratação gerou gastos para a
Administração Pública?
Considerando
que no Portal da Transparência do governo federal não consta o registro do
recebimento das vacinas, o que caracterizaria o segundo estágio da despesa,
chamado de “Liquidação”, que só acontece quando do recebimento das
“mercadorias” e consequentemente o reconhecimento do direito do credor. Assim,
podemos afirmar que não houve a saída de recursos do “caixa” do governo
federal, o que não gerou gastos para a administração pública.
Por fim, após confirmamos
que houve a contratação do governo federal com a Empresa Precisa, e como,
ainda, não gerou custos para a administração pública, perguntamos o que podemos
fazer agora?
Apesar de não ter gerado,
ainda, gastos para a Administração Pública Federal esses recursos orçamentários
estão “reservados” (guardados), o que impede que sejam utilizados para outras
despesas.
Podemos
entender neste caso que o melhor a fazer seria o cancelamento da Nota de
Empenho, mas isso provavelmente implicará em custos adicionais para a
administração, pois provavelmente constam cláusulas contratuais que apenam quem
desistir da contratação.
Portanto,
a resolução dessa questão não é tão fácil como parece, e neste caso, o governo
fica em uma situação bastante delicada, como diz o velho ditado, “se correr o
bicho pega e se ficar o bicho come”. Mas, como para tudo tem uma saída, e
considerando que o brasileiro não desiste nunca, só nos resta esperar que esta
emblemática situação se resolva da melhor forma e que gere o menor ônus
possível para a Administração Pública.
Valmir Leôncio da Silva - Especialista em Contas Públicas. Acadêmico da Academia Paulista de Contabilidade. Conselheiro do CRCSP
Nenhum comentário:
Postar um comentário